sábado, 16 de maio de 2009

BABAÇU

BABAÇU
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

O denominado babaçu verdadeiro (Orbignya phalerata Martius) é a palmeira oleaginosa mais importante do extrativismo vegetal brasileiro, e a mais adaptada às condições ecológicas da Amazônia oriental e de alguns Estados do Norte e Nordeste do Brasil - particularmente do Maranhão, do Piauí, de Tocantins e do Pará. Nessas terras, encontram-se também outras espécies de babaçu - a piaçava alta (Orbignya Teixerana Bondar) e a piaçava baixa (Orbignya eichleri Drude) - que possuem utilidade idêntica ao chamado babaçu verdadeiro. Essas palmeiras se desenvolvem melhor em terras de várzeas, pequenas colinas e elevações, e espaços próximos aos vales dos rios.

Os indígenas atribuíram alguns nomes específicos ao babaçu tais como: aguaçu, uauçu, coco-de-macaco e coco-pindoba. Segundo Câmara Cascudo (1954), o frei capuchinho francês Claude D’Abbeville, no início do século XVII, já ressaltava a importância dos frutos daquela palmeira na alimentação dos índios nordestinos, que os chamavam de uauaçu (em língua tupi). O frei ficou tão encantado com a beleza e a diversidade da flora maranhense que, em sua obra História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão, comparou os babaçuais ao próprio paraíso terrestre. De maneira geral, os primeiros visitantes europeus ficaram maravilhados com a exuberante flora nativa do País, e registraram seu fascínio em notas de viagens, cartas, relatos e iconografias.

O babaçu representa o principal produto do extrativismo vegetal do Maranhão. No Estado, uma quarta parte do território encontra-se coberta por babaçuais. Cada palmeira pode apresentar, até, seis cachos de cocos, sendo responsável por 80% da produção nacional de amêndoas. O babaçu fornece cerca de setenta subprodutos e, dele, tudo se aproveita. Suas folhas arqueadas chegam a medir oito metros de comprimento e, nas zonas rurais, são utilizadas como telhado das casas.

Com a palha seca trançada e a casca do coco são produzidos diversos objetos artesanais, decorativos e utilitários, tais como cestas, esteiras, chapéus, peneiras, brincos, pulseiras, colares, prendedores de cabelo, janelas, portas, bandejas, gaiolas, armadilhas, abanos, bolsas, toalhas, caminho de mesa, jogos americanos, sandálias, bonés, caneteiros, embalagens. Estes produtos são comercializados em feiras, mercados e lojas de artesanatos e, também, exportados, representando uma valiosa fonte de renda para a população.

Cabe registrar o importante apoio dado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) desde 1999, em relação aos projetos de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS), incentivando os pequenos negócios artesanais para a geração de renda, junto às Associações de Mulheres, além de atividades de extração e beneficiamento das amêndoas de babaçu para a obtenção de óleo.

O mesocarpo da palmeira é usado em mingaus de crianças, e o caule, aproveitado na estrutura de construções e marcenaria rústica. A casca da amêndoa pode se transformar em um eficiente carvão para uso doméstico e, quando é queimada, produz uma fumaça que atua como um eficaz repelente de insetos. Ainda da casca outros produtos são gerados para aplicação industrial, tais como metanol, coque, carvão reativado, gases combustíveis e alcatrão. Durante os longos períodos de seca, na ausência de outra fonte de alimentação, os animais comem as cascas das amêndoas.

Se a palmeira do babaçu for jovem, é possível se extrair um palmito de boa qualidade. As amêndoas verdes, segundo pesquisas do Instituto de Recursos Naturais do Maranhão, quando recém-extraídas, raladas, espremidas com um pouco de água e coadas através de um pano fino, fornecem um leite com propriedades nutritivas semelhantes às do leite humano, que é utilizado na culinária local. Em substituição ao leite de coco, esse leite é usado para molhar o cuscuz – seja ele de milho, de arroz ou de farinha de mandioca - no tempero de peixes, carnes de caça e bolos, ou bebido in natura como alternativa ao leite de vaca. Quando está madura, a parte externa do fruto é comestível. Do pedúnculo do cacho cortado, os índios extraem um líquido que, fermentado, se transforma em uma apreciada bebida alcoólica.

As amêndoas do babaçu representam duas terças partes do total de seu peso e, assim como as do dendê e do buriti, possuem um elevado teor de matérias graxas. Neste sentido, seu principal destino são as indústrias de esmagamento. O óleo é obtido através de extração mecânica a quente ou usando-se solventes. Este último processo, porém, embora se apresente mais eficiente, é mais dispendioso. O óleo comestível possui odor e sabor suaves, e uma cor que varia da branca à amarelada, em função da temperatura usada em sua extração. Com ele fabricam-se margarina e ração animal.

Há um grande interesse, por parte das indústrias, em conhecer o comportamento reológico dos alimentos. Uma vez que o azeite do coco babaçu pode competir com outros azeites, tornou-se relevante estudar sua viscosidade, porque ela está relacionada, diretamente, com a qualidade dos produtos. (CASTRO; BRAGA et alii, 2002).

Dentre os óleos vegetais, de uso industrial, o de babaçu apresenta o índice mais elevado de saponificação, e o mais baixo teor de iodo e refração. Tais fatores são importantes para alimentar o mercado de óleos láuricos (produtos de higiene, limpeza e cosméticos). A Gessy Lever, a Nestlé, e a Braswey estão entre as maiores empresas consumidoras de óleos e gorduras láuricas. O óleo de babaçu também representa um ingrediente relevante no preparo de pomadas cremosas e sabonetes naturais, que funcionam como excelentes hidratantes, e cuja embalagem é trançada com a própria fibra da palmeira. Além disso, a Medicina Natural o utiliza como antiinflamatório, em massagens nas partes doloridas do corpo. Com o óleo de babaçu também se fabricam lubrificantes, combustível e glicerina.

Milhares de mulheres, auxiliadas por crianças, trabalham em babaçuais do Maranhão, do Piauí, de Tocantins e do Pará. Nas comunidades que vivem do extrativismo costuma-se dizer: se alguma mulher ainda não foi “quebradeira” de coco, um dia virá a sê-lo. Essa atividade é feminina, por tradição, e executada de modo artesanal. As mulheres sustentam um machado preso sob uma das pernas, com a parte cortante voltada para cima, onde apóiam o coco, batendo nele com um pedaço de madeira até o partirem. Feito isso, retiram a amêndoa e colocam-na em um cesto (ou caçuá). Neste procedimento rudimentar, algumas amêndoas saem machucadas, fermentam e deterioram durante as longas viagens até as indústrias, representando um prejuízo econômico para quem vive da extração. De acordo com estimativas, há cerca de 400 mil pessoas, quase todas as mulheres, que sobrevivem do extrativismo, da industrialização do óleo e de outros produtos do babaçu.

Uma pesquisa realizada no norte do Tocantins salientou que “1 quilo de amêndoa é comprado por um preço entre R$ 0,50 e R$ 0,60, enquanto 1 litro de óleo de babaçu (que é obtido com 2 quilos de amêndoas) chega a ser vendido por R$ 5,00. Uma quebradeira de coco extrai, em média, 5 quilos de amêndoas por dia” (CAMPOS, 2006). E, de cem quilos de cocos quebrados, são extraídos, no máximo, oito a dez quilos de amêndoas.

No Maranhão, o auge da economia babaçueira teve lugar entre as décadas de 1960 e 1980, período em que funcionavam, no Estado, cinqüenta e duas empresas de médio e grande porte, produzindo óleo bruto e óleo refinado para abastecer as indústrias alimentícias e de higiene e limpeza, dos mercados nacional e internacional. Entretanto, com o avanço da produção de soja, e com os preços competitivos do óleo do sudeste asiático, que concorrem com os preços brasileiros, muitas indústrias faliram.

Grande parte das dificuldades das quebradeiras de coco tem suas raízes, no processo agrário que o Maranhão viveu a partir de 1969, quando foi aprovada a Lei de Terras, impulsionando a formação de propriedades e a apropriação privada de extensas áreas públicas. A atividade extrativista foi proibida, as cercas proliferaram, e as florestas foram substituídas por pastagens e plantações. Em 1997, porém, aprovou-se a Lei do Babaçu Livre, que visa assegurar aos extrativistas o acesso às palmeiras, mesmo quando elas se encontram em propriedades privadas, e que impôs restrições à derrubada ou à queimada de babaçuais. Por outro lado, em 2003, um Projeto de Lei estendeu a Lei do Babaçu Livre para todos os babaçuais nacionais, e colocou, na agenda política nacional, o debate sobre o assunto (CAMPOS, 2006).

No presente, no Maranhão, no Pará, em Tocantins e no Piauí, duas entidades vêm atuando junto à população feminina - a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR) e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), de caráter regional e interregional, respectivamente - para garantir os direitos e, em especial, para assegurar o livre acesso aos babaçuais. É importante registrar que, a despeito de todos os esforços, a Lei do Babaçu Livre jamais garantiu a integridade física das quebradeiras de coco.

Em nome da geração de áreas de pasto para a pecuária, os babaçuais têm sido alvos de grandes devastações. Sendo assim, o deputado Domingos Dutra (PT/MA) - filho de uma quebradeira de coco do Maranhão – elaborou o Projeto de Lei 231/2007, que foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara, e que proíbe a derrubada de palmeiras de babaçu nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso. As únicas exceções, apenas, dizem respeito àquelas áreas destinadas a determinadas obras ou serviços de utilidade pública, ou de interesse social. A competência para a execução e a fiscalização da Lei ficou a cargo do Ministério do Meio Ambiente. Espera-se, neste sentido, que esse Órgão consiga cumprir as determinações do Código Florestal Brasileiro.

A exploração do babaçu contribui para a absorção de mão-de-obra e a fixação da população no campo, ao passo que o desmatamento indiscriminado acarreta em expulsão e empobrecimento das pessoas que ocupam aquelas áreas. Apesar das grandes queimadas, percebe-se que o babaçu é bastante resistente e se regenera com rapidez. Isto é possibilitado pelo surgimento de pindovas, as mudas da palmeira que parecem ser imunes, também, aos predadores de sementes. Calcula-se que os babaçuais ocupem 18 milhões de hectares, principalmente no Maranhão. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), depois da madeira, o coco do babaçu foi o principal produto florestal brasileiro, representando 19,4% da produção extrativista no ano 2005.

Alguns Estados desenvolvem estudos com diversas plantas, voltadas para a produção energética. Combustíveis alternativos ao óleo diesel, e menos poluentes, também são pesquisados, objetivando a melhor conservação do meio ambiente e a diminuição do efeito estufa. É possível se produzir biodiesel a partir do babaçu. No entanto, as quebradeiras de coco temem ficar prejudicadas com as mudanças que surgiriam, com a implementação de uma produção mecanizada em escala industrial.

No Maranhão, em particular, professores e membros do Grupo de Combustível Alternativo (GCA) trabalham para formar parcerias com Instituições de Governos e Organizações Não-Governamentais (ONGs), visando implementar o biodiesel a partir do óleo de babaçu. E, o Programa Biodiesel desenvolve seus projetos, tomando como ponto de partida as plantas oleaginosas de cada Estado. No Pará, por exemplo, é o dendê; no Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte, a mamona; e, no Sul e Sudeste, a soja.

A partir de 2008, os carros da Fórmula 1 deverão utilizar 5,75% de combustíveis renováveis, já que ônibus e carros vêm utilizando etanol e biodiesel há alguns anos. A título de experimentação, a companhia aérea Virgin Atlantic, de propriedade de Richard Branson, divulgou ter abastecido um dos quatro motores de seu Boeing 747 com uma mistura de combustível normal (o querosene de aviação) e 20% de óleo de babaçu. Isto foi feito somente em um dos motores, a título de experimentação, e em um vôo sem passageiros, para garantir que, se aquele motor viesse a falhar, os outros compensariam a perda de potência, evitando-se, assim, a queda da aeronave. Sem apresentar problemas, o Boeing saiu de Londres, na Inglaterra, e pousou em Amsterdã, capital da Holanda. O óleo de babaçu ainda não foi utilizado sozinho, em todos os motores, porque os cientistas estão pesquisando uma maneira de ele não congelar em grandes altitudes. (O BOEING..., 2008)

Vale salientar que, apesar de os babaçuais se localizarem nas áreas onde predominam as maiores desigualdades sócio-econômicas do Brasil, as mulheres quebradeiras de coco consideram aquelas palmeiras uma verdadeira mina de ouro vegetal. Paradoxalmente ou não, sem elas, iriam ficar em situação ainda pior.

Fontes consultadas:

A CADEIA produtiva do babaçu. Disponível em:

A ORGANIZAÇÃO das quebradeiras de coco babaçu. Disponível em:

ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil folclore: histórias, costumes e lendas. São Paulo: Editora Três, 1982.

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<http://pt.wikipedia.org/wiki/Baba%C3%A7u> Acesso em: 12 nov. 2007.

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BIODIESEL ameaça o extrativismo do babaçu – colhedores de fruto amazônico diante do dilema do biodiesel. Disponível em:

BIODIESEL a partir do babaçu. Disponível em:

BRINDES corporativos – brindes de manejo agroecológico, reciclados e reutilizados. Disponível em:

CAMPOS, André. A saga do babaçu - quebradeiras de coco lutam pela sobrevivência de sua atividade. Problemas Brasileiros, São Paulo, n. 374, p. 38-41, mar./abr. 2006.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1954.

COLHEDORES de babaçu. Disponível em:

COMISSÃO aprova Lei do Babaçu Livre. Disponível em:

DRESEN, Bernd; VELOSO, José Soares. Devastação dos babaçuais piauienses - causas e efeitos. Carta CEPRO, Teresina, v. 12, n. 1, p. 7 - 14, jul. 1987.

HISTÓRIAS de sucesso – experiências empreendedoras. Disponível em:

HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.

LIMA, Flávia Pedroza; MOREIRA, Ildeu de Castro. Tradições astronômicas tupinambás na visão de Claude D’Abbeville. Disponível em:
<http://www.mast.br/arquivos_sbhc/22.pdf> Acesso em: 14 jan. 2008.

O BOEING movido a óleo de babaçu. São Paulo, Época, n. 511, p. 22, 3 mar. 2008.

ÓLEO de coco babaçu. Disponível em:

PEIXOTO, Ariane Luna; ESCUDEIRO, Alexandra. Pachira aquática (Bombacaceae) na obra História dos animais e árvores do Maranhão de Frei Cristóvão de Lisboa. Disponível em: <http://www.jbrj.gov.br/publica/rodriguesia/Rodrig53_82/7-PEIX~1.PDF> Acesso em: 14 jan. 2008.

PRODUÇÃO da extração vegetal e da silvicultura 2005. Disponível em:


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