sábado, 16 de maio de 2009

CAMPO GRANDE (bairro, Recife)


CAMPO GRANDE (bairro, Recife)

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

Próximo ao atual bairro de Campo Grande, ficava o território de Salgadinho, chamado, durante muito tempo, de Carreira dos Mazombos, o que se encontra registrado em documentos do século XVII, época em que ocorreram as campanhas contra os holandeses. Os escravos utilizaram a palavra africana mazombo para designar os filhos dos europeus que nasciam em solo brasileiro. Posteriormente, o vocábulo tornou-se extensivo a todos os homens brancos presentes na colônia.

A menção histórica mais antiga de Salgadinho advém de 1645, ano em que um cronista holandês descreveu certas cavalhadas dos festejos celebrados pelo príncipe
Maurício de Nassau. Aquele território, tempos atrás, era cortado pela Estrada Velha de Olinda, seguia depois para Campo Grande, passando pela estrada de Belém, e tomava o rumo da estrada de João de Barros, terminando na Soledade.

A localidade de Campo Grande, ficava situada entre Feitosa e Salgadinho, mais precisamente, no quilômetro 4.691 da Estrada de Ferro Olinda-Beberibe. Obteve essa denominação por não possuir árvores e formar um vasto campo plano. E foi lá, aproveitando a configuração geográfica da área, que os recifenses construíram o Hipódromo de Campo Grande.

No começo do século XIX, a Estrada Real de São José do Manguinho tem suas obras de construção iniciadas. Dessa Estrada, resulta uma importante rede de viação secundária, em se tratando do perímetro dos subúrbios recifenses. Com uma extensão de 32 quilômetros, as vias que compõem a referida rede são nomeadas de Estradas Suburbanas: elas partem dos extremos da cidade, terminam em
Apipucos e Beberibe, e possuem um ramal para Madalena e Campo Grande. Em 1866, por sua vez, começa a construção da estrada do Campo Grande, que parte de Salgadinho e termina à margem direita do rio Beberibe.

Curiosamente, em escavações realizadas em Salgadinho, no ano de 1869, é encontrado um fragmento em pedra, de alguma lápide ou monumento, que apresenta uma cruz latina, de um lado e, de outro, uma estrela. Ambos os símbolos estão em relevo e apresentam traços laterais perpendiculares.

A autora do presente texto levanta a hipótese de o fragmento encontrado, ter sido parte de um objeto esculpido por algum cristão-novo (ou, mesmo, judeu), ainda temeroso dos horrores da Inquisição. Essa pessoa, talvez tenha sentido a necessidade cultural/religiosa de deixar gravada a Estrela de Davi (um dos relevantes símbolos judaicos), na parte da pedra que ficaria escondida, deixando evidente, porém, a cruz latina, do lado visível da lápide (ou do monumento), símbolo maior do catolicismo, a única religião que os colonizadores lusos aceitavam.

Por volta de 1915, a Estrada de Ferro de Campo Grande foi substituída pelas linhas elétricas de
bonde, da Pernambuco Tramways. Mas, até a década de 1920, as construções presentes na área margeavam apenas a linha férrea e, em seguida, a linha elétrica: começavam em Feitosa, próximo à capelinha de Belém, e alcançavam os limites com Salgadinho, ponto inicial de Olinda. Cabe ressaltar que, em Campo Grande, no período anterior a 1940, havia somente umas dez ruas estreitas, sem qualquer prédio residencial de destaque.

O Hipódromo de Campo Grande foi substituído, mais recentemente, pelo Grupo Escolar Clóvis Beviláqua e por uma extensa área residencial, construída para os funcionários públicos pernambucanos.

Morava na cidade do Recife, no século XVIII, uma senhora chamada Josefa Francisca da Fonseca e Silva. Ela possuía seis extensos sítios, em Campo Grande, que iam do trecho denominado "Maduro" até o município de Olinda, e se chamavam: Principal, Olinda Pereira, Doutor Castro, Costa Soares, Capitão Félix Paiva e Campelo. Além desses sítios, Josefa possuía, também, a maior parte dos mangues situados nas proximidades de
Santo Amaro, bem como uma área onde foi instalada a Fábrica de Tecidos da Tacaruna. Cabe salientar que, nesse local, anos atrás, funcionou a Usina Beltrão, uma indústria de açúcar pertencente ao coronel Delmiro Gouveia.

Por meio de uma escritura pública, datada de 16 de setembro de 1806, Josefa Francisca decide doar os sítios e mangues a D. Antônio Pio de Lucena e Castro. Quando ele falece, tudo o que recebeu em doação é deixado, mediante um testamento, para o Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, instituição situada à rua da Glória, no
bairro da Boa Vista, no Recife, criada pelas religiosas da Pia União do Santíssimo Sacramento, em 1722. De 1806, portanto, até o ano de 1940, a Instituição da Glória - dedicada à preparação de freiras e à educação de crianças órfãs -, é mantida, financeiramente, através da renda gerada pelo patrimônio herdado em Campo Grande.

Em 1709, é construída uma capela em Campo Grande, por iniciativa do pai do padre Manuel Inácio Ribeiro de Oliveira Mendonça. Ele desejava que o filho pudesse ali rezar a sua primeira missa. A capela era pequena, medindo somente 7,70 m de fundo por 3,30 m de largura. Mais de meio século depois, um herdeiro do fundador da capela custeia uma grande reforma no templo.

A freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Belém vem a ser criada no dia 25 de fevereiro de 1911. O primeiro vigário da localidade é o padre Ricardo Borges de Castro Vilaça. No entanto, é a construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Belém o marco do início populacional de Campo Grande.

Em se tratando de acontecimentos históricos, durante a Revolução Praieira, em 1848, a capela de Belém tem uma atuação importante. O zelador dessa capela - registra a História -, chamava-se Inácio Ribeiro de Mendonça, e era um parente de Joaquim Nunes Machado, o fundador do partido praieiro.

Acontece que Joaquim Machado é ferido em combate, vindo a morrer no dia 2 de fevereiro daquele mesmo ano. E, para que não caísse nas mãos dos adversários, os seus correligionários, guiados por Inácio Ribeiro, decidem esconder o corpo do líder na igrejinha de Belém. Após ter trancado todas as portas, o zelador/parente entrega as chaves do templo à sua esposa, Ana Aurora de Jesus Ribeiro e refugia-se em sua residência, situada ao lado da igreja.

O capitão Jerônimo Martiniano Figueira de Melo, encontrando a igreja toda fechada, intimou a senhora Ana Aurora, em nome das forças policiais: – Quero as chaves, ou então mandarei passá-la pelas armas.

A esposa do zelador, sem temer as represálias, assim retrucou ao capitão: – As chaves, não as tenho. E se tivesse não as dava.

Com pancadas de sabre e golpes de armas, Ana foi agredida violentamente. Mas, não entregou as chaves. O chefe de polícia ordenou, a seguir, o arrombamento das portas da igrejinha e, de lá, os soldados retiraram o corpo do líder praieiro, que já exalava um péssimo odor. Enrolado em uma rede, o morto foi transportado para o Recife pelas forças policiais.

Ana Aurora, por outro lado, foi seviciada e condenada à prisão. Contudo, mediante uma anistia ocorrida em 1852, essa valorosa mulher consegue ser libertada do seu cárcere, localizado no quartel de Polícia. Faleceu bem velhinha, no dia 5 de julho de 1876.

Depois de 1940, um acontecimento muda o ritmo existente na área de Campo Grande: a Procuradoria dos Bens do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória decide aterrar os mangues de sua propriedade. Em seguida, loteia e vende os terrenos do seu patrimônio que faziam parte daquele subúrbio. Isto funcionou, em verdade, como um grande incentivo ao surgimento de construções residenciais e o conseqüente crescimento de Campo Grande.


Fontes consultadas:

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1998.

COSTA, Francisco A. Pereira da. Anais pernambucanos 1795-1817. Recife: Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. v. 5; 7.

GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. 2. ed. rev. aum. Recife: Fundação Guararapes, 1970. 265 p.

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