CEMITÉRIO JUDEUS NAS AMÉRICAS (Recife)
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
No século XVI, a bordo das naus lusas, muitos judeus vieram da Península Ibérica para o Brasil. Sabe-se, hoje, que eram cristãos-novos (os judeus recém convertidos ao catolicismo para escapar da Inquisição) os portugueses Gaspar da Gama - o intérprete da armada de Cabral -, Fernando de Noronha, João Ramalho, o próprio donatário Duarte Coelho Pereira, o poeta Bento Teixeira, entre tantos outros (MOURA, 2002).
Desse modo, Recife e Olinda receberam muitos colonizadores judeus que fugiam das perseguições inquisitórias. Com a chegada dos holandeses a Pernambuco e, em particular, com a presença do conde Maurício de Nassau, os imigrantes judeus puderam usufruir de grande liberdade para praticar sua religião e tradições. Instalando-se no Estado, eles construíram escolas, sinagogas, clubes e instalaram cemitérios.
Não se sabe o tamanho exato da população judaica que veio para o Nordeste do País, mas os pesquisadores estimam que, durante o domínio flamengo (1630-1654), viviam no Recife cerca de trezentos judeus (MELLO, 1996). Durante esse período, as terras que pertencem ao atual bairro dos Coelhos eram chamadas de Cemitério dos Judeus, porque ali eram realizados os sepultamentos dos imigrantes que professavam a fé judaica.
A construção da Sinagoga Kahal Zur Israel (ou Congregação Rochedo de Israel) representou um dos marcos mais importantes da presença judaica no Brasil-Colônia. Essa sinagoga está localizada na Rua do Bom Jesus – chamada, antigamente, de Rua dos Judeus - no bairro do Recife, e foi o primeiro templo oficial judaico nas Américas. Os imigrantes trataram, também, de reservar uma área específica para instalar um cemitério próprio, e poder sepultar os mortos de acordo com a fé mosaica.
Uma ata datada de 1876, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, já sugeria a necessidade de se empreender um estudo mais profundo, visando à localização do primeiro cemitério judeu das Américas. Este cemitério estava assinalado em mapas do período da colonização batava. E o historiador Gonsalves de Mello, baseando-se nesses mapas, registrou que o cemitério se localizava em uma região chamada Sítio dos Coelhos, e que fora cercado por uma paliçada protetora, derrubada por volta de 1641, pelo governo holandês. Segundo registrou o autor, no referido local fora levantado um pequeno posto militar.
Visitando pessoalmente os sítios descampados, Ribemboim concluiu que os fundos da instituição religiosa Dispensário Santo Antônio deveriam ser objeto de prospecções arqueológicas. Esse Dispensário está localizado na Rua de São Gonçalo, número 109-A, no bairro dos Coelhos, e funciona como uma entidade religiosa coordenada pelas Irmãs de Caridade Filhas de Maria. Uma parte da área dos fundos do Dispensário, que foi cedida à Congregação de Nossa Senhora da Glória, teria sido utilizada, ainda, como parte do cemitério. Além desses, dever-se-ia considerar, também, a área dos fundos da empresa Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa. Desse modo, Ribemboim delimitou três retângulos, onde deveriam ser processadas as investigações.
Segundo o autor, observa-se uma Estrela de Davi - o símbolo judaico - no frontal da entrada daquele Dispensário, mas ninguém soube explicar o porquê da presença daquele símbolo (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).
Tecnicamente, dando continuidade aos trabalhos de pesquisa, o arquiteto Mota Menezes apontou, com relativa precisão, como área a ser prospectada com recursos arqueológicos, o lugar onde funcionou o primeiro cemitério judeu das Américas. Cabe esclarecer que ele partiu de sobreposições de mapas mais antigos aos mais recentes, e que utilizou o processo de triangulação e de medidas proporcionais. Mota Menezes focalizou construções e locais que não haviam sofrido grandes modificações, desde aquela época até os dias atuais, e chegou à conclusão de que o cemitério deveria estar no terreno do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, não descartando, inclusive, uma área do Dispensário Santo Antônio e uma parte das instalações do Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, que possui uma entrada pela rua Dr. José Mariano (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).
Portanto, o local onde funcionou o primeiro cemitério judeu, compreende um polígono que abrange os fundos de duas instituições religiosas, juntamente com os fundos de uma empresa comercial. E, muito embora não se conheça a dimensão exata desse espaço, Ribemboim e Mota Menezes presumem que ele não seja dos menores. E, levam em conta algumas variáveis: 1) o número de judeus, no período do Brasil Holandês, era elevado; 2) o cemitério tinha que servir às populações judaicas de Recife, Maurícia e outras localidades adjacentes; e 3) a ocupação flamenga em Pernambuco durou vinte e quatro anos.
Sendo assim, os autores delimitaram, no Dispensário, uma área a ser prospectada, compreendendo um retângulo de cerca de 80 metros por 110 metros. No tocante ao Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, o objeto de investigação englobou uma área medindo 35 metros por 60 metros. E, em relação ao Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, a cartografia indicou uma área retangular descampada de, aproximadamente, 35 metros por 146 metros para ser pesquisada.
Apresentam-se, abaixo, os nomes de alguns judeus que viveram em Pernambuco, durante a ocupação holandesa, cujos óbitos devem ter ocorrido entre os anos 1630 e 1634, e que, provavelmente, foram sepultados naquele cemitério (RIBEMBOIM & MOTA MENEZES, 2005).
Nome
Ano do enterro
Felipe Dias do Vale
antes de 1634
Manuel Mendes de Castro
1638
Benedictus Jacob
1641
Moses Abendana
1642
Benjamin Pereira
1644
Moses Mendes
1645
Isaac Russon (ou Rusten)
1645 ou 1646
Antonio Montesinos
1646 ou 1647
David Henriques
1648
David Barassar
1648
Baltasar da Fonseca
antes de 1649
Jacob Delian
1649
David Senior Coronel
1651
Salamão Musaphia
1651
Simon Bar Mayer
1653 ou 1654
Antonio da Costa Cortizes
-
Esposa do neto de David Senior Coronel
Segundo Ribemboim e Mota Menezes, caberia esclarecer, também, alguns pontos importantes:
Desse modo, Recife e Olinda receberam muitos colonizadores judeus que fugiam das perseguições inquisitórias. Com a chegada dos holandeses a Pernambuco e, em particular, com a presença do conde Maurício de Nassau, os imigrantes judeus puderam usufruir de grande liberdade para praticar sua religião e tradições. Instalando-se no Estado, eles construíram escolas, sinagogas, clubes e instalaram cemitérios.
Não se sabe o tamanho exato da população judaica que veio para o Nordeste do País, mas os pesquisadores estimam que, durante o domínio flamengo (1630-1654), viviam no Recife cerca de trezentos judeus (MELLO, 1996). Durante esse período, as terras que pertencem ao atual bairro dos Coelhos eram chamadas de Cemitério dos Judeus, porque ali eram realizados os sepultamentos dos imigrantes que professavam a fé judaica.
A construção da Sinagoga Kahal Zur Israel (ou Congregação Rochedo de Israel) representou um dos marcos mais importantes da presença judaica no Brasil-Colônia. Essa sinagoga está localizada na Rua do Bom Jesus – chamada, antigamente, de Rua dos Judeus - no bairro do Recife, e foi o primeiro templo oficial judaico nas Américas. Os imigrantes trataram, também, de reservar uma área específica para instalar um cemitério próprio, e poder sepultar os mortos de acordo com a fé mosaica.
Uma ata datada de 1876, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, já sugeria a necessidade de se empreender um estudo mais profundo, visando à localização do primeiro cemitério judeu das Américas. Este cemitério estava assinalado em mapas do período da colonização batava. E o historiador Gonsalves de Mello, baseando-se nesses mapas, registrou que o cemitério se localizava em uma região chamada Sítio dos Coelhos, e que fora cercado por uma paliçada protetora, derrubada por volta de 1641, pelo governo holandês. Segundo registrou o autor, no referido local fora levantado um pequeno posto militar.
Visitando pessoalmente os sítios descampados, Ribemboim concluiu que os fundos da instituição religiosa Dispensário Santo Antônio deveriam ser objeto de prospecções arqueológicas. Esse Dispensário está localizado na Rua de São Gonçalo, número 109-A, no bairro dos Coelhos, e funciona como uma entidade religiosa coordenada pelas Irmãs de Caridade Filhas de Maria. Uma parte da área dos fundos do Dispensário, que foi cedida à Congregação de Nossa Senhora da Glória, teria sido utilizada, ainda, como parte do cemitério. Além desses, dever-se-ia considerar, também, a área dos fundos da empresa Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa. Desse modo, Ribemboim delimitou três retângulos, onde deveriam ser processadas as investigações.
Segundo o autor, observa-se uma Estrela de Davi - o símbolo judaico - no frontal da entrada daquele Dispensário, mas ninguém soube explicar o porquê da presença daquele símbolo (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).
Tecnicamente, dando continuidade aos trabalhos de pesquisa, o arquiteto Mota Menezes apontou, com relativa precisão, como área a ser prospectada com recursos arqueológicos, o lugar onde funcionou o primeiro cemitério judeu das Américas. Cabe esclarecer que ele partiu de sobreposições de mapas mais antigos aos mais recentes, e que utilizou o processo de triangulação e de medidas proporcionais. Mota Menezes focalizou construções e locais que não haviam sofrido grandes modificações, desde aquela época até os dias atuais, e chegou à conclusão de que o cemitério deveria estar no terreno do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, não descartando, inclusive, uma área do Dispensário Santo Antônio e uma parte das instalações do Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, que possui uma entrada pela rua Dr. José Mariano (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).
Portanto, o local onde funcionou o primeiro cemitério judeu, compreende um polígono que abrange os fundos de duas instituições religiosas, juntamente com os fundos de uma empresa comercial. E, muito embora não se conheça a dimensão exata desse espaço, Ribemboim e Mota Menezes presumem que ele não seja dos menores. E, levam em conta algumas variáveis: 1) o número de judeus, no período do Brasil Holandês, era elevado; 2) o cemitério tinha que servir às populações judaicas de Recife, Maurícia e outras localidades adjacentes; e 3) a ocupação flamenga em Pernambuco durou vinte e quatro anos.
Sendo assim, os autores delimitaram, no Dispensário, uma área a ser prospectada, compreendendo um retângulo de cerca de 80 metros por 110 metros. No tocante ao Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, o objeto de investigação englobou uma área medindo 35 metros por 60 metros. E, em relação ao Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, a cartografia indicou uma área retangular descampada de, aproximadamente, 35 metros por 146 metros para ser pesquisada.
Apresentam-se, abaixo, os nomes de alguns judeus que viveram em Pernambuco, durante a ocupação holandesa, cujos óbitos devem ter ocorrido entre os anos 1630 e 1634, e que, provavelmente, foram sepultados naquele cemitério (RIBEMBOIM & MOTA MENEZES, 2005).
Nome
Ano do enterro
Felipe Dias do Vale
antes de 1634
Manuel Mendes de Castro
1638
Benedictus Jacob
1641
Moses Abendana
1642
Benjamin Pereira
1644
Moses Mendes
1645
Isaac Russon (ou Rusten)
1645 ou 1646
Antonio Montesinos
1646 ou 1647
David Henriques
1648
David Barassar
1648
Baltasar da Fonseca
antes de 1649
Jacob Delian
1649
David Senior Coronel
1651
Salamão Musaphia
1651
Simon Bar Mayer
1653 ou 1654
Antonio da Costa Cortizes
-
Esposa do neto de David Senior Coronel
Segundo Ribemboim e Mota Menezes, caberia esclarecer, também, alguns pontos importantes:
1) não foram encontrados registros sobre o possível traslado do corpo de Benjamin Pereira, falecido na Paraíba, para o cemitério dos Coelhos; 2) de acordo com os registros bibliográficos, Isaac Russon, David Henriques, David Barassar e Moses Mendes, executados por forças luso-brasileiras, teriam sido enterrados na Igreja de São João Batista, em Olinda, não se tendo conhecimento se os restos mortais desses quatro judeus foram trasladados, depois, para o cemitério dos Coelhos; e 3) não foram encontrados registros que precisassem as datas exatas dos enterros de Antonio da Costa Cortizes, e da esposa do neto de David Senior Coronel, desconhecendo-se, também, o nome dela.
De acordo com um alvará de 26 de setembro de 1656, após a expulsão dos holandeses, coube ao herói Henrique Dias, como espólio de guerra, as terras que incluíam o cemitério judeu.
Vale registrar, finalmente, que, apenas através de prospecções arqueológicas será possível se conhecer os nomes de todos aqueles que foram sepultados no primeiro cemitério judeu das Américas. Isso, porém, só virá a ocorrer, se o tempo e as águas do rio Capibaribe não tiverem pulverizado suas lápides e seus restos mortais.
Fontes consultadas:
De acordo com um alvará de 26 de setembro de 1656, após a expulsão dos holandeses, coube ao herói Henrique Dias, como espólio de guerra, as terras que incluíam o cemitério judeu.
Vale registrar, finalmente, que, apenas através de prospecções arqueológicas será possível se conhecer os nomes de todos aqueles que foram sepultados no primeiro cemitério judeu das Américas. Isso, porém, só virá a ocorrer, se o tempo e as águas do rio Capibaribe não tiverem pulverizado suas lápides e seus restos mortais.
Fontes consultadas:
KAHAL Zur Israel: Congregação Rochedo de Israel: resgate da memória da 1a. Sinagoga das Américas. Recife: Fundação Safra/Centro Cultural Judaico de Pernambuco, 2001.
KAUFMAN, Tânia Neumann. Passos perdidos, história recuperada: a presença judaica em Pernambuco. Recife: Edição do Autor, 2000.
LIPINER, Elias. Izaque de Castro: o mancebo que veio preso do Brasil. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1992.
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 9-233, 1979.
MOURA, Hélio Augusto de. Presença judaico-marrana durante a colonização do Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 18, n. 2, p. 267-292, jul./dez. 2002.
RIBEMBOIM, José Alexandre. Senhores de engenho: judeus em Pernambuco colonial (1542-1654). Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1998.
______; MENEZES, José Luís Mota. O primeiro cemitério judeu das Américas: período da dominação holandesa em Pernambuco (1630 - 1654). Recife: Edições Bagaço, 2005.
SINAGOGA Rochedo de Israel: memória e resgate. Brasília, D.F.: Ministério da Cultura, 2001.
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