Waldemar Valente
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
Waldemar Valente nasceu no Recife no dia 9 de fevereiro de 1908. Era o filho único de Ormina de Figueiredo e do jornalista Samuel da Silva Valente. Ainda na adolescência, o jovem obteve a fama de grande conquistador e, muitas vezes, das aventuras amorosas, retornou à sua casa com roupas rasgadas e hematomas visíveis, fruto do ciúme gerado por suas investidas.
Waldemar ia sempre ao Colégio Nóbrega jogar voleibol, participando da Associação Desportiva Acadêmica da escola: um grupo de estudantes ligados ao movimento de renovação católica. Ali, ele se tornou amigo de vários padres jesuítas, a exemplo de Abranches, Lamego, Zacarias e Fernandes. Em decorrência dessa amizade, passou a fazer parte, também, da Congregação Mariana de Moços, onde teve a oportunidade de participar de discussões sobre temas religiosos e culturais.
Aquela Congregação reunia a nata intelectual pernambucana da época: Nilo Pereira, Arnóbio Tenório, Orlando Parahym, Luiz Delgado, Paulo Vieira, Rui Belo, Willy Levin, José do Rego Maciel, Álvaro Lins, Milton Pontes, e tantos outros. Sobre a vivência daquele período, Waldemar escreveu:
Era um pouco céptico e descrente. A idéia de Deus ficava o meu espírito, como coisa vaga e distante. Criado em meio familiar católico, assistia com assiduidade as cerimônias do catolicismo. Mais que tradição social que por uma questão de fé. Os estudos de Medicina, na realidade material da vida humana, sob a influência de professores, devem ter contribuído para aumentar o meu catecismo e minha descrença.
Waldemar Valente se formou em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco e, em Farmácia, pela Faculdade de Formação da mesma universidade. Essas duas formações, contudo, não lhe bastaram: em 1934, ele decidiu estudar Antropologia, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, sob a direção de Roquete Pinto.
Em relação às suas atividades profissionais, vale registrar que, como médico, ele atuou em campanhas de combate à muriçoca; trabalhou para a Inspetoria Nacional de Obras Contra as Secas, no alto sertão de Pernambuco; montou um consultório particular para exercer a medicina; atendeu pacientes em domicílios; e, em uma farmácia, recebeu percentagem pelas consultas lá realizadas.
Contudo, apesar de todos os esforços despendidos com o exercício da medicina, o jovem médico não conseguiu amealhar, mensalmente, o necessário para o sustento de sua família. Sendo assim, ele enveredou por um novo caminho: o magistério. A partir de 1925, passou a se dedicar ao ensino médio. Lecionou inglês, português e biologia, em vários colégios da cidade: Ginásio Pernambucano, Ginásio Oswaldo Cruz, Colégio Nóbrega, Ateneu Pernambucano, Colégio Salesiano, Instituto Nossa Senhora do Carmo, Colégio Marista, Ginásio do Recife, Instituto de Educação de Pernambuco, Colégio Porto Carreiro e Colégio Leão XIII. Posteriormente, voltou-se, também, para o Terceiro Grau, e passou a ensinar na Faculdade de Filosofia do Recife, na Universidade de Pernambuco e na Universidade Católica de Pernambuco.
Ele foi um dos fundadores do colégio Ateneu Pernambucano, tendo dirigido várias entidades e departamentos, tais como o Ginásio Pernambucano; o Departamento de Educação Sanitária e o setor de Bioestatística do Departamento de Saúde Pública de Pernambuco (DSP); e o Serviço de Assistência Médica a Flagelados (com sede em Salgueiro).
Waldemar Valente ingressou no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), hoje, Fundação Joaquim Nabuco, FUNDAJ, no dia 1 de junho de 1972, tornando-se Diretor do Museu de Antropologia, hoje chamado Museu do Homem do Nordeste. Foi muito amigo de Gilberto Freyre, Mauro Mota e Mário Souto Maior.
Aos poucos, dedicou-se às áreas de Folclore, Etnografia e Antropologia Cultural, e passou a estudar os cultos afro-brasileiros. Tornou-se, posteriormente, Diretor do Departamento de Antropologia.
O antropólogo foi eleito para ocupar a cadeira de número 24, da Academia Pernambucana de Letras, no dia 4 de junho de 1957. Porém, em virtude de atrasos de ordem interna, sua posse só ocorreu em 26 de janeiro de 1959.
Constam do Curriculum Vitae de Waldemar Valente, entre livros, artigos, colaborações em periódicos, e obras coletivas, os seguintes trabalhos: Artigo definido the. Recife, 1930; História da civilização. Recife, 1933;Antropologia em ação. Recife, 1934; História da civilização. São Paulo, 1937;O trovador do Nordeste. Recife, 1937; O povoamento primitivo da América. Recife, 1939;Fundamentos biotipológicos da educação. Recife, 1941; Caminha: o primeiro etnógrafo do Brasil. Recife, 1944; Aspectos da evolução histórica da língua inglesa. Recife, 1944; O povoamento primitivo da América e a teoria do professor Alés Hrdlicka. Recife, 1948; Eutanásia. Recife, 1948; Notas à margem de um problema etnográfico. Recife, 1948; Índice de Manouvrier e sua significação em educação física escolar. Recife, 1948; O critério de forma na metodologia etnológica. Recife, 1949; Introdução ao estudo da antropologia cultural. Recife, 1953; Índices cranianos. Recife, 1954; Marcas muçulmanas nos xangôs de Pernambuco. Recife, 1954; Sincronismo religioso afro-brasileiro. São Paulo, 1955; A função mágica dos tambores. Recife, 1956; Influências islâmicas nos grupos-de-culto afro-brasileiros de Pernambuco. Recife, 1957; Islamismo em Pernambuco. Recife, 1957;Maria Graham – uma inglesa em Pernambuco nos começos do século XIX. Recife, 1957; Um ensaio do professor Amaro Quintas. Recife, 1958;O negro nas crônicas holandesas do século XVII. Recife, 1958; Misticismo e religião (Aspectos do sebastianismo nordestino). Recife, 1963; Gilberto Freyre: um livro de estréia. Recife, 1964; Influências daomeanas nos grupos-de-culto afro-nordestinos. Recife, 1966; Panteísmo em Pernambuco. Recife, 1966; O Padre Carapuceiro (crítica de costumes na primeira metade do século XIX). Recife, 1969; Survivances dahomenas dans les groups-de-culte africains du nordest du Brésil. Dakar, 1969;S errinha (aspectos antropossociais de uma comunidade nordestina). Recife, 1973; Antecipação de Pernambuco no Movimento da Independência (testemunho de uma inglesa). Recife, 1974; O japonês no Nordeste agrário. Recife, 1978; (traduzido para o japonês)Xangô: um ritual afro-brasileiro de Pernambuco. Recife, 1982; A litolatria no folclore nordestino. Recife, 1983; Mauro Mota não morreu. Recife, 1984; Misticismo e religião. Recife, 1984; Bandeira, pintor. Recife, 1984; Presença de Silvio Rabelo. Recife, 1984; Nordeste em três dimensões. Recife, 1986; Aspectos espirituais da presença africana no folclore nordestino. Recife, 1986.O inhame. Recife, 1987; Jogo do pião. Recife, 1987; Antologia pernambucana do folclore (com Mário Souto Maior). Recife, 1988; Histologia da poesia popular de Pernambuco. Recife, 1989; A Dama de Ouro. vol. 1. Recife, 1990. (autobiografia).
Waldemar Valente casou-se duas vezes. A primeira delas, com Berenice Galvão de Figueiredo, com a qual teve sete filhos; e, a segunda, com Marilene Torquato dos Santos, que lhe deu oito filhos.
Um fato ocorrido no âmbito familiar transtornou os últimos anos de vida do antropólogo: Ana Maria, uma de suas filhas mais novas, foi diagnosticada portadora de leucemia. Após alguns anos de luta, a adolescente viajou para São Paulo, para realizar um transplante de medula (cedida por seu irmão). Era a última tentativa de salvar a própria vida. A despeito de o procedimento cirúrgico ter sido bem sucedido, a doença não pôde ser debelada, e a linda Aninha do Dr. Waldemar não sobreviveu muito tempo.
Depois de sua morte, o antropólogo perdeu o elã de viver. Continuou trabalhando no Departamento de Antropologia da FUNDAJ, mas, foi definhando dia após dia, e faleceu no dia 27 de novembro de 1992, aos 84 anos de idade. Waldemar Valente era um gentleman e um erudito simples. Além de importantes pesquisas antropológicas e etnológicas, ele deixou muitas saudades.
Fontes Consultadas:
TÁVORA, José Geraldo. Presença médica na academia pernambucana de letras: (1921 - 1995). Recife: Universitária, 1996.
VALENTE, Waldemar. Pastoris do Recife antigo e outros ensaios. Organização e apresentação de Mário Souto Maior. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1995.