A vitória-régia é uma das maiores plantas aquáticas do mundo. Originária da região amazonense, ela pertence à família das Nynphaeceae. Por se tratar de uma planta ornamental exuberante, os europeus chamaram-na de rosa lacustre. E quando um pesquisador inglês levou as suas sementes para plantar, nos jardins do palácio real, os próprios ingleses denominaram-na Vitória, em homenagem à sua querida rainha. Cabe registrar que os indígenas chamam-na de Uapé, Iapucacaa, Aguapé-assú, Jaçanã, ou Nampé; e, os índios guaranis, de Irupé.
As folhas da vitória-régia possuem as bordas dobradas, são grandes e flutuantes, apresentam-se no formato de um círculo, e algumas chegam a cobrir uma superfície de três metros quadrados. Além disso, se o peso for bem distribuído, elas são capazes de suportar uma carga de até quarenta quilos, sem afundá-la na água. Na Região Norte, as garças, os maguaris e várias outras aves, passeiam tranqüilas sobre os seus largos mantos verdes.
Nos meses de janeiro e fevereiro brotam as flores da vitória-régia. Elas são brancas ou rosadas, possuem várias camadas de pétalas, e abrem somente durante a noite, exalando um perfume maravilhoso. Algumas flores atingem trinta centímetros de diâmetro e, no meio delas, observa-se um botão circular onde se localizam as sementes.
As enchentes e inundações do rio Amazonas beneficiam muito a vitória-régia. À medida que as águas vão subindo, crescem também os seus pecíolos [hastes]. Por vezes, eles ficam longuíssimos, medindo até cinco metros de comprimento. Caso o nível das águas permaneça alto, a vitória-régia viverá cerca de dois anos; mas, se as águas baixarem, ela, aos poucos, irá sucumbindo.
Em relação à vitória-régia, no Norte, existem vários mitos e lendas que são narrados por sábios pajés e índias idosas. Reunidos à noite, eles repassam, oralmente, a sua cultura milenar. Alguns contam, por exemplo, que tudo começou com a índia Naiá. Ela era apaixonada pela Lua - considerada um deus masculino, um jovem e bonito guerreiro - e não aceitava namorar os outros índios. Passava as noites correndo pelas matas, perseguindo o noivo celestial, e não havia poção milagrosa capaz de curá-la de tal obsessão.
Certa vez, estando à beira de uma lagoa, Naiá viu a imagem do seu amado refletida nas águas. Sem titubear nem um segundo, mergulhou ao seu encontro e morreu afogada. Sensibilizada com o fato, a Lua procurou compensar o sacrifício de Naiá, e transformou-a em uma estrela das águas, um verdadeiro poema de beleza e perfume. Depois disso, dilatou a palma de suas folhas, para que pudessem receber melhor os afagos de sua luz. E, para acolher os raios de luar - em verdade, os seus beijos apaixonados - a Lua fez com que as flores da vitória-régia abrissem somente à noite, exalando um aroma maravilhoso.
De acordo com uma outra versão dessa lenda, dizem que a Lua tinha poderes extraordinários para transformar as índias em estrelas. E havia uma índia que desejava muito se transformar em uma estrela, para poder ficar mais perto da Lua, sua grande paixão. Tentando alcançá-la, subia nos morros e montanhas chamando por ela: Iaci! Iaci! Porém, todos os seus esforços eram inúteis. Certo dia, a índia percebeu não somente o reflexo da Lua, como ouviu o seu canto, oriundo das profundezas das águas. Crendo ser o amado lhe chamando, atirou-se no igarapé e nunca mais retornou à superfície. Compadecida com a sua falta de sorte, a Lua transformou-a, então, em uma bela estrela d´água na Terra.
De uma outra variação dessa lenda foi elaborado, inclusive, um roteiro para o teatro. Os protagonistas da história são a Lua, um bonito guerreiro chamado Jacy; a planta aquática Uapé; e uma cunhã, uma jovem índia chamada Naiá, que vivia como as demais mulheres da aldeia, cozinhando, tecendo, trabalhando a mandioca, cuidando de crianças, modelando vasos de barro e que, ao final das tardes, se deitava na rede e adormecia olhando o céu.
Certo dia, quando Naiá se deitou, percebeu as estrelas no céu pela primeira vez. Nessa atitude contemplativa, descobriu também a Lua - um belo guerreiro - e, a partir desse momento, desejou ser uma estrela. Quando a noite chegava, ela corria para as margens do rio, olhava para cima e via o amado brilhando entre as estrelas. Daí, apaixonada e feliz, começava a cantar e a chamar por ele. Passava horas e horas admirando o firmamento, na tentativa de visualizar o rosto do bem amado.
Os meses se seguiam e Naiá continuava buscando os raios da Lua, sem nunca dela conseguir se aproximar. Cantava todas as noites, às vezes subia ao topo de uma árvore, para tentar tocar no jovem guerreiro, mas este permanecia distante e silencioso. Certo dia, sempre cantando e dançando, ela entrou em um lago claro como um espelho. Molhou os pés, as pernas e, em seguida, abraçou o reflexo de Jacy, que jazia na água. Enfim, pensou a índia, o meu amado desceu à Terra para banhar-se comigo neste lago. Assustada, a tribo observava o comportamento de Naiá. Um dos índios, inclusive, tentou impedi-la de entrar na água, mas ela foi mergulhando, mergulhando, e em pouco tempo desapareceu, morrendo afogada.
Olhando para o local, depois do ocorrido, os indígenas viram surgir uma luz na superfície do lago. Essa luz foi se transformando em pequenas folhas redondas, que cresceram até ficar bem grandes, como se fossem uma bandeja verde. Em seguida, apareceu uma pequena pétala branca, que foi aumentando de tamanho, e surgiram outras pétalas que formaram uma linda flor. A estrela branca se abriu e perfumou todo o ambiente: era a flor da noite. Cheia de remorsos, a Lua havia transformado a jovem morta em uma estrela do rio Amazonas. Ou seja, Jacy transformara Naiá em Uapé.
E, desde sempre, quando a Lua ilumina as águas dos rios, lagoas e igarapés, Uapé abre as suas pétalas para receber todo o carinho do amado. Porém, quando o dia começa a clarear, ela se fecha. Abre-se em sua plenitude máxima somente nas noites de Lua cheia, quando o céu sobre a selva amazônica está claro e sem nuvens. Naiá se transformou, definitivamente, na gigante e bela flor das águas, permanecendo, ao longo dos tempos, como a rainha das plantas aquáticas.
Além de conter beleza e perfume, a vitória-régia possui uma raiz - um tubérculo parecido com o inhame - que é consumida pelos nativos em sua alimentação. Eles chamam-na “forno-d’água”, por sua semelhança com um tacho de torrar farinha. Por sua vez, os indígenas extraem o sumo dessas raízes (uma tintura preta) e usam-no para pintar os seus cabelos.
É interessante registrar que as cápsulas da vitória-régia, repletas de sementes, vão se depositar no fundo das águas, a cada mês de agosto. A partir daí, na medida em que recebem a ação dos raios solares, elas se enterram no lodo cada vez mais e endurecem. Tais sementes representam uma fonte de alimento para os índios. E as aves da região também as apreciam. Estas últimas, por fim, voando em bandos, espalham as sementes da vitória-régia por todos os lugares onde passam. Dessa maneira, elas perpetuam a existência da rosa lacustre: a mais linda deusa vegetal e estrela das águas.
Fontes Consultadas:
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VOLPATTO, Rosane. Vitória Régia, a deusa vegetal. Disponível em:
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
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