JIQUIÁ (bairro, Recife)
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
Jiquiá é o nome de um bairro que havia no Recife, e que ficava situado um pouco além de Afogados. Como tantos outros bairros da cidade, ele possui uma história entrelaçada com o desenvolvimento do feudo açucareiro de Pernambuco, durante o período do Brasil Colônia.
Infelizmente, por causa das demolições e da destruição do próprio tempo, nada existe hoje das construções centenárias presentes naquela localidade: a casa de vivenda, a capela e os edifícios do engenho. Não se pode mais apreciar, também, os tradicionais viveiros de peixes que, a cada ano, durante a Semana Santa, atraíam famosas pescarias; e tampouco observar o campo do Zepelim, onde foi edificada a primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul.
A demarcação judicial das terras do Jiquiá - local onde havia, primeiramente, um engenho de açúcar - foi procedida pelo ouvidor Jorge Camelo, no dia 12 de outubro de 1598, e efetuada em atenção a uma carta de sesmaria, conferida pelos donatários da capitania, que deduziu o começo daquele feudo açucareiro em cerca de dois quilômetros de Afogados.
Existem referências de que o fidalgo madeirense Francisco Berenguer de Andrade foi o verdadeiro fundador da localidade. Em 1639, ele teria tomado parte de um movimento de rebeldia contra o Governo holandês, juntamente com Pedro da Cunha Andrade (senhor de engenho, na Várzea), Filipe Pais Barreto (senhor do morgado do Cabo) e João Carneiro Maria (senhor do engenho Ipojuca), entre outros. Antes da invasão holandesa, Berenguer teria vendido a fábrica de açúcar (e grande parte de suas terras) a Antônio Fernandes Pessoa, filho de um abastado colono que possuía ainda o engenho Sibiró, em Ipojuca. Este último conseguira aumentar bastante o perímetro de sua propriedade, através da anexação, por meio de compra, das terras de João Gonçalves Carpinteiro e de Jerônimo Pais (senhor do engenho Casa Forte), assim como de outras terras que herdara do seu pai.
Devido à importância estratégica do engenho, porém, um local muito disputado durante o período da invasão holandesa, Antônio Fernandes foi obrigado a retirar-se para Ipojuca, com sua família, deixando Jiquiá no ano 1637 em completo abandono, ou, como se dizia na época: de fogo morto. Somente em 1654, com o fim da guerra contra os holandeses, o engenho pôde ser reparado dos danos sofridos e ter os trabalhos reiniciados.
Na ocasião foi construído um trapiche de embarque de açúcar, junto à própria foz do rio Jiquiá, visando servir de acostagem aos pequenos barcos, que traziam mercadorias para os engenhos e povoações das proximidades. O trapiche servia de ponto de embarque de açúcar, madeiras, e outros artigos de comércio que se destinavam à praça do Recife. Servia de depósito, ainda, para a recepção de diversas mercadorias que chegavam de outros engenhos e povoados das imediações. Um grande cruzeiro de mármore granítico existia, também, em frente ao Passo, bem como um sobrado de vivenda (dos proprietários do Passo) e várias casas de moradores.
Alguns anos depois, com a morte de Antônio Fernandes e de sua esposa, Ana de Luís da Silva - a filha deles - herdou as terras, mas decidiu vendê-las ao capitão Antônio Borges Uchoa, o que foi feito mediante uma escritura lavrada no dia 3 de março de 1657. A localidade, na época, chamava-se Engenho de Santo Antônio do Jiquiá.
Passados cerca de cinqüenta anos, conforme consta de uma vistoria judicial empreendida no ano 1705, os irmãos Álvaro e Antônio Barbalho Uchoa apareceram como os legítimos proprietários do engenho, seguindo-se a eles Antônio Correia, capitão-mor da Vila do Recife. Na ocasião, o engenho Santo Antônio do Jiquiá pertencia à freguesia da Várzea, sendo uma moderna fábrica movida por animais.
Uma outra iniciativa foi a construção de um grande armazém de açúcar (e de outras mercadorias), chamado Passo de Santa Cruz do Jiquiá, que garantia o abastecimento da população suburbana. Isto deu uma grande projeção à região, embora o Passo não pertencesse ao proprietário do engenho e das terras de Jiquiá.
Jiquiá tornou-se uma bela e animada povoação, com vários sítios de cultura e uma importante propriedade rural situada nas imediações de Afogados, por onde passavam trens e circulavam bondes elétricos.
Do Passo, por sua vez, constituído na época como Vínculo ou Morgado, a notícia mais antiga que se tem refere-se ao testamento do Padre João de Lima Abreu, falecido em 1697, que dizia: Declaro que entre os mais bens que possuo é o maior o Passo de Santa Cruz de Jiquiá, com todos os seus pertences e logradouros, com o qual instituo três capelas de missas, as quais se dirão por minha alma em cada ano e estas dirão meus sobrinhos, filhos de minha irmã Grácia Gomes,etc., etc. (GUERRA, 1970, p. 203). Após o falecimento do padre, a propriedade passou às mãos de seis administradores, que foram coagidos judicialmente a prestar contas de suas administrações.
O último administrador foi Vicente Ferreira da Meira Lima. O governador Luís do Rego Barreto, no ano de 1819, objetivando construir uma estrada geral do centro até Santo Antão (hoje, Vitória de Santo Antão), passando por Jaboatão, determinou o aterro da estrada do Jiquiá.
Em 1829, havia uma grande olaria na Camboa do Jiquiá, com porto de embarque. De suas terras saíam barro para a fabricação de telhas e tijolos, e uma lagoa de água doce fornecia água para os amassadores. Somando-se a isso, com a lei imperial de 1835, decretando a extinção dos Vínculos e Morgados, ocorreu a distribuição dos bens e das terras entre os vários co-senhores, e a propriedade decaiu.
Até o próprio cruzeiro de granito ficou completamente abandonado. Por acidente, ele foi encontrado em 1868, fora do seu pedestal e coberto por uma espessa vegetação. Um dos missionários católicos, no entanto, seguido pelo povo, conduziu o cruzeiro em procissão para Afogados. Lá, erguido sobre um pedestal, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Paz, ele permaneceu até os dias atuais. E, por incrível que possa parecer, excetuando-se a fonte documental existente, aquele cruzeiro representa o único vestígio palpável da existência de Jiquiá.
Fontes consultadas:
COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981.
GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Fundação Guararapes, 1970.
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