No início do século XIX, José Martiniano de Alencar, padre da Vila de Nossa Senhora da Conceição Messejana, se unia maritalmente à Ana Josefina de Alencar, sua prima em primeiro grau. A união dos dois primos, vale salientar, daria margem à existência de muitos comentários.
Tanto isso é verdade que a Escritura de Reconhecimento e Perfilhação de Filhos Espúrios, de 1853, registrava que o padre José Martiniano de Alencar, já sendo clérigo de Ordens Sacras, contraiu amizade ilícita e particular com dona Ana Josefina de Alencar, sua prima no primeiro grau, e dela tem tido desde aquele tempo até doze filhos [...]
José Martiniano de Alencar foi um dos revolucionários republicanos de 1817, e chegou a ser, inclusive, senador do Império e governador da província do Ceará.
No dia 1º de maio de 1829, em Alagadiço Novo, uma pequena vila próxima a Fortaleza, no Estado do Ceará, nascia o filho primogênito daquele casal - José Martiniano de Alencar - que foi registrado com o mesmo nome do pai. Em família, o seu apelido era Cazuza.
Os primeiros anos de José foram passados na sua terra natal. Ainda pequeno, incentivado pelo hábito da leitura, o menino atraía a atenção dos adultos ao apresentar um desenvolvimento intelectual superior à idade cronológica.
A escola onde ele estudou - Januário Mateus Ferreira – bem como a influência materna dariam ao menino o gosto pela literatura. Quase todas as noites após o jantar, a senhora Ana Josefina solicitava ao filho que lesse um livro, em voz alta, para que ela e as amigas ouvissem enquanto bebiam um chá.
Essa tarefa era empreendida com tamanho sentimento que, certa noite, as mulheres presentes se puseram a chorar. Na ocasião, entrava na sala o padre Carlos Augusto Peixoto de Alencar, um velho parente da família. Assustado com os prantos, ele indagou qual era a desgraça que havia ocorrido. Ao que José esclareceu, mostrando-lhe o livro aberto: "Foi o pai de Amanda que morreu!" O padre Carlos não conseguiu se conter e soltou uma grande gargalhada.
José Martiniano de Alencar teve sete irmãos: Leonel, Tristão, Maria Amélia, Bárbara Augusta, Joaquina Carolina, Argentina Adélia e Carlos.
Em 1843, aos 14 anos de idade, José desembarcava em São Paulo, indo residir em uma república de estudantes na rua de São Bento. Lá, ele iria se preparar, academicamente, para fazer os exames preparatórios do Curso Jurídico.
A passagem de José de Alencar pelos bancos escolares seria quase obscura, uma vez que ele passava a maior parte do tempo lendo novelas, livros de filosofia, história e literatura romântica. Uma de suas maiores aspirações era o jornalismo militante e, não, a profissão forense.
Em 1846, o escritor entrou para a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, concluindo o bacharelato em 1849. Na cidade de São Paulo, onde viveu sete anos, criaria a revista semanal Ensaios Literários, juntamente com alguns colegas de curso. Nela, publicaria os seus primeiros ensaios.
Mudando-se para o Rio de Janeiro, o advogado-jornalista começou a trabalhar como cronista e colaborador no Correio Mercantil, jornal onde as suas crônicas intituladas Ao correr da pena foram publicadas. Em 1855, José de Alencar mudaria de emprego, indo administrar e chefiar a redação do jornal Diário do Rio de Janeiro, juntamente com o seu irmão Leonel. Nesse periódico, ele produziu, sob o pseudônimo de Ig., as Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, um trabalho de profunda crítica literária.
Por ter se desentendido com Dom Pedro II, José de Alencar não conseguiu realizar o grande sonho que tinha: o de ser eleito senador. O Imperador riscaria o seu nome da lista dos novos senadores do Ceará. No entanto, o seu prestígio como bacharel em Direito e escritor, associados à inegável tendência para atuar na esfera pública, fizeram-no, em 1861, ingressar na política. Por quatro vezes, cabe salientar, ele se elegeu deputado pelo Ceará, sendo ainda Ministro da Justiça do Gabinete Itaboraí, de 1869 a 1870. Neste período, ele escreveria obras de cunho político.
Os primeiros romances de José de Alencar - Cinco minutos (1856), A Viuvinha (1857), e O Guarani (1857) - foram publicados, em forma de folhetins, no jornal Diário do Rio de Janeiro. O livro O Guarani, em particular, representa a epopéia do Brasil que não foi escrita, ou seja, é um romance histórico acerca da formação da nacionalidade brasileira, que evidencia o maravilhoso painel da natureza do País, com seus rios e florestas, com sua história e raízes.
José de Alencar tinha 28 anos de idade quando escreveu a peça O Rio de Janeiro (verso e reverso), uma espécie de revista ligeira. Encenada no teatro da rua do Lavradio, no Rio de Janeiro, essa peça teve um acolhimento bastante caloroso por parte do público.
Trinta e nove dias após o êxito daquela peça, o escritor lançava uma outra em 4 atos, no Teatro do Ginásio Dramático - O demônio familiar - que foi assistida, até, por Dom Pedro II e pela Imperatriz Teresa Cristina.
Poucos dias depois, José de Alencar lançava uma terceira comédia - O Crédito - que era encenada no Teatro do Ginásio. Portanto, em menos de três meses, o autor tinha tido três peças encenadas em teatros.
Além daquelas, ele escreveria também outros trabalhos: A noite de São João, As asas de um anjo, Dama das camélias, Mulheres de mármore e Mãe. O autor já se encontrava cercado de fama como romancista e teatrólogo. E era o redator-chefe do jornal O Diário do Rio.
Em 1859, José de Alencar entrava para o Serviço Público, indo trabalhar como conselheiro na Secretaria de Negócios da Justiça. Ainda no mesmo ano, seria consultor de negócios do Governo Imperial.
Em 1862, o escritor publicava o romance Lucíola. Sua peça O que é o casamento? seria encenada no teatro nesse mesmo ano. Ele escreveria, em 1863, os poemas A Valsa e Os filhos de Tupã.
Outros trabalhos do autor foram As minas de prata, escrito em 1862, e Diva em 1864. Neste ano, o escritor se casaria com Georgiana Cochrane e publicaria também um dos seus mais célebres romances –Iracema.
Em 1865, publicou os opúsculos Cartas políticas de Erasmo, Novas cartas políticas de Erasmo, O juízo de Deus, Visão de Jó e O sistema representativo. Nesse mesmo ano nasceria Augusto, o primeiro filho de José de Alencar, e ele publicaria também as Cartas de Erasmo, que tinham como alvo o Imperador D. Pedro II.
Anos mais tarde, sobre a vocação para ser escritor, ele diria:
Foi somente em 1848 que surgiu em mim a veia do romance. Acabava de passar dois meses em minha terra natal. Tinha-me repassado das primaveras e tão fagueiras recordações da infância, ali nos mesmos sítios queridos onde nascera.
Em Olinda, onde estudava o meu terceiro ano, e na velha biblioteca do convento de São Bento a ler os cronistas da era colonial, desenhavam-se a cada instante na tela das reminiscências, as paisagens do meu pátrio Ceará.
José de Alencar foi ministro do Governo Imperial em 1868. No final de 1869, criava com o irmão, Leonel, o jornal Dezesseis de Julho. De 1870 até 1875, o romancista escreveria muitas outras obras: O gaúcho (1870), A pata da gazela (1870), Sonhos d’ouro (1872), Til (1872), Alfarrábio (O garatuja, O ermitão da Glória, e A alma de Lázaro) (1872-1873), A Guerra dos Mascates (1873), Ubirajara (1874), Senhora (1875), O sertanejo (1875) e O jesuíta (1875). E, sob o pseudônimo de Um Asno, publicaria o panfleto A corte do leão.
O segundo filho do escritor - Mário - nasceria em 1872. José de Alencar teve, ainda, vários outros filhos: Elisa, Clarice, Ceci, e Adélia.
José de Alencar enfrentaria sérios problemas de saúde, em 1875, decorrentes da tuberculose, um mal que vinha lhe afligindo há mais de duas décadas. Chegou a viajar para Londres, Paris e Lisboa, na tentativa de conseguir uma recuperação para a doença, mas a viagem não atingiu o objetivo almejado.
Alguns meses depois, de volta ao Brasil, o escritor reabria, na rua da Quitanda, Rio de Janeiro, o seu escritório de advocacia. Por mais que todos pressentissem o seu fim, o incansável advogado-jornalista-escritor continuava driblando a morte: entregava-se ao trabalho de corpo e alma. Fundaria, ainda, o jornal O Protesto, onde lançaria farpas contra o Imperador D. Pedro II, o Duque de Caxias e o Barão de Cotegipe.
Com uma tosse persistente, ele trabalhou até quase a última hora escrevendo Filhos de Tupã. Um mês antes de falecer, José de Alencar confessou que receava não viver o suficiente para ter esse trabalho concluído, mas que ele "iria assim mesmo".
Já bem doente, ele diria:
"A minha vida é curta. Preciso juntar alguma coisa para que meus filhos sejam educados sem o favor de estranhos."
No dia 12 de dezembro de 1877, aos 48 anos de idade, o ilustre romancista e teatrólogo cearense morreu no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.
O escultor Rodolfo Bernadelli tirou-lhe a máscara mortuária, fazendo uma cópia do seu rosto. Esta é conservada, até hoje, no Museu Histórico. O molde original, onde alguns fios da barba do escritor ficaram colados, Georgiana solicitou que fosse colocada dentro do caixão e levada à sepultura. José de Alencar foi enterrado na primeira quadra do Cemitério de São Francisco Xavier.
Em 1893, postumamente, saíram publicados seus dois últimos trabalhos: Como e porque sou romancista (uma espécie de confissão) e Encarnação.
José Martiniano de Alencar não precisou esperar pela posteridade para obter o reconhecimento público. Em vida, ele já havia alcançado louros e glórias. O célebre escritor deixou uma vasta obra entre romances, peças de teatro, novelas, crônicas, ensaios, cartas e discursos.
Fontes consultadas:
COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente; PATRIOTA NETO, Nelson Ferreira (Org.). Vozes do Nordeste. Natal: EDUFRN, 2001.
COUTINHO, Afrânio et al. Conferências comemorativas do centenário da morte de Alencar-1977. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981.
FREIXIEIRO, Fábio. Alencar: os bastidores e a posteridade. 2. ed. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981.
GADELHA, Mona. José de Alencar. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.
MENEZES, Raimundo de. José de Alencar: literato e político. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.
VIANA FILHO, Luís. A vida de José de Alencar. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1979.
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