sábado, 16 de maio de 2009

CHORA MENINO (localidade e praça, Recife)


CHORA MENINO (localidade e praça, Recife)
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
O rico colono João Velho Barreto, no começo do século XVII, possuía uma grande extensão de terras que adquire o nome de Mondego. Essa denominação, com certeza, deve ter sido colocada por um dos colonizadores lusos, ao relembrar os campos do Mondego em Portugal. Uma descrição do referido local foi feita por Luís de Camões, em os Lusíadas, quando o poeta versejou sobre os belos campos do Mondego, no episódio da morte de Dona Inês de Castro.

As terras do Mondego pertenciam, originariamente, à Estância de Henrique Dias, situando-se além e aquém do sítio do Mondego, no lugar Salinas, da freguesia da Sé de Olinda.

Outra referência antiga ao sítio do Mondego, diz respeito a uma estrada de largura regular, aberta em linha reta, cujo primeiro trecho é designado de Rua do Mondego. Lá é construído um prédio grande e imponente, com dois pavimentos. Por iniciativa da proprietária das terras - Dona Ana Maria dos Anjos -, ergue-se uma capela naquela estrada, sob a invocação da Sacra Família e de São João. As obras de construção da capela começam em 1755, porém são finalizadas em 1888.

Por ter servido de residência temporária do governador pernambucano - o general Luís do Rego Barreto (1817-1821) -, as pessoas apelidaram aquele prédio de Palácio do Mondego. Defronte deste palácio, havia um sítio murado, que dava saída para a Trempe da Soledade. Em 1818, no muro rebocado e caiado do referido sítio, aparecem escritas sete palavras:

Tem cautela, Rego
Não passes do Mondego...

Corre a notícia, então, que dois indivíduos esperavam uma boa oportunidade para atirar no general governador. Hoje, sabe-se que tal ameaça estava relacionada à reação dos revolucionários de 1817, contra Luís do Rego Barreto.

O ano de 1831 trouxe muitas comoções políticas, tanto para o Estado de Pernambuco quanto para o País. No Recife, ocorre a histórica Setembrizada, empreendida por soldados insubordinados, que arrombam, saqueiam e cometem inúmeras atrocidades em casas particulares e estabelecimentos comerciais.

As lutas duram três dias (14, 15 e 16 de setembro de 1831), deixam um grande número de mortos, mas os indisciplinados são vencidos. Segundo Gilberto Freyre documenta, durante o saque ao Recife correu muito sangue, e os soldados não faziam a menor cerimônia em matar e roubar.

As vítimas, que foram bastante numerosas, ganharam sepulturas fora dos limites da cidade: no sítio do Mondego. A partir de então, as pessoas começaram a falar que o lugar havia se tornado mal-assombrado. Talvez porque havia sido enterrado, ali, um grande contingente de vítimas.

Pode-se perceber, através desse episódio, como um fato verídico acabou se transformando em lenda, por intermédio da imaginação popular. Espalhou-se a seguinte estória: durante a noite, quem passasse por aquele sítio, ouvia um choro de menino.

Assim, após a revolta Setembrizada, em 1831, a região torna-se conhecida como Chora Menino. O local em questão ficava na divisa das freguesias da Boa Vista e das Graças (na estrada que se dirigia para a antiga Passagem da Madalena).

Em 1843, surge um periódico no Recife chamado de Chora Menino. Um trecho do primeiro número, saído no dia 29 de maio, dizia o seguinte:

O Chora-Menino tem por objeto a recordação das artimanhas e traições dos fingidos liberais, desses que tem sido a causa de intempestivas revoluções, dando lugar a se derramar o sangue brasileiro, a despeito de todas as leis divinas e humanas, bem como aconteceu no lugar acima citado, d’onde esse periódico deriva o seu título...

Duas outras informações sobre a localidade: a Estrada do Mondego passou a se chamar Rua Visconde de Goiana; e o Palácio do Mondego funcionou como o Colégio dos Padres Salesianos.

Talvez para ficar na lembrança dos pernambucanos, designou-se como Praça Chora Menino, no Paissandu, um pedacinho de terra que pertenceu ao sítio do Mondego. Uma litografia elaborada por Luis Schlappriz, em 1863, documenta os trajes e os tipos da época naquela Praça.

Hoje, o pedaço de terra chamado, originariamente, de Chora Menino, encontra-se no perímetro urbano do Recife. Ele faz parte de uma via pública importante - a Rua Paissandu - pela qual circulam muitos transeuntes. Pode-se perceber, então, que o local, hoje, não mete medo em mais ninguém.


Fontes consultadas:

COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981.

________. Arredores do Recife. Recife: Editora Massangana, 2001.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz - artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor: 1918-1926. São Paulo: IBRASA; Brasília: INL, 1979.v. 2.

GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Diccionario chronografico, histórico e estatístico. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.

SEM o estatus de bairro. Jornal do Commercio, Recife, 19 de fev. 2000. Caderno Cidades, p. 5.

CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco)

CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco)
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) uma empresa do Governo Federal ligada ao Sistema Eletrobrás, representa a maior rede de geração e transmissão de energia elétrica em alta tensão do País e, ao mesmo tempo, um antigo sonho de muitos brasileiros.

A Companhia começou a funcionar em meados do século XX, e a sua força vem, fundamentalmente, das águas do rio São Francisco, o grande rio perene que cruza o interior de Minas Gerais e passa por quatro Estados do Nordeste do Brasil: Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Ele possui uma extensão de 3.200 km e sua bacia compreende uma área de 490.770 km2.

O português Pero de Magalhães Gandavo, que esteve no Brasil em 1576, já deixava registrado, bastante admirado, que o São Francisco era navegável por sessenta léguas. Escrevia ainda que, a partir de certo ponto, não se podia passar, devido a uma grande cachoeira, cujas águas caiam de uma altura muito grande.

Há tempos, o aproveitamento daquele rio vinha sendo imaginado. Em 1801, o naturalista J. V. Couto chamava a atenção para a potencialidade oferecida pelo São Francisco, no sentido de beneficiar a agricultura de suas regiões ribeirinhas. E vários pedidos relativos à exploração do seu potencial hidráulico foram efetuados ao longo dos anos.

Só para exemplificar, em 1910, o cidadão inglês Richard G. Reidy tentou requerer a concessão das cachoeiras de um trecho do rio, assim como de certos terrenos marginais, que se afiguravam necessários à instalação de sua empresa. Tratava-se de uma tentativa semelhante à da Light, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto, o Governo do Marechal Hermes da Fonseca indeferiu o requerimento, por não concordar com a cláusula referente à concessão dos terrenos marginais.

No ano seguinte, um pedido semelhante ao de Reidy foi concedido ao engenheiro Francisco de Paula Ramos. Porém, duas semanas depois de aprová-lo, o mesmo Marechal tornou a indeferir o processo, alegando, entre outros motivos, a falta de idoneidade do engenheiro.

Na mesma época, o legendário industrial Delmiro Gouveia já sonhava em aproveitar a força das águas da cachoeira de Paulo Afonso, para construir uma usina hidrelétrica. Com tal objetivo, ele encabeçou a criação de uma empresa de capital misto, juntamente com um milionário e um engenheiro norte-americanos, e o seu primeiro passo foi comprar as terras que se localizavam nas margens da cachoeira, do lado alagoano, e incorporá-las ao domínio particular. Em seguida, conseguiu obter vários privilégios: o direito de exploração sobre as terras improdutivas em Água Branca; a concessão para captar o potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso e produzir eletricidade; e a isenção de impostos para a sua fábrica de linhas para costura. Entre 1910 e 1911, todas essas concessões foram transformadas em decretos-lei pelo Estado de Alagoas. Desse modo, o industrial criava a usina de Angiquinho, a primeira hidrelétrica aproveitando a força das águas do chamado “Velho Chico”.

No ano de 1921, durante o Governo de Epitácio Pessoa, realizava-se o primeiro levantamento topográfico da cachoeira de Paulo Afonso.

Cerca de duas décadas depois, visando-se aproveitar o potencial energético da bacia do São Francisco para a Região Nordeste, estudos e pesquisas foram intensificados. No dia 4 de abril de 1944, o ministro da Agricultura do Governo Getúlio Vargas, Apolônio Sales, propôs a criação da Companhia Nacional Hidrelétrica do São Francisco.

Em se tratando da existência da própria CHESF, no dia 3 de outubro de 1945, Getúlio Vargas assinava três decretos-leis: 1) o de nº 8.031, autorizando a organização da empresa; 2) o de nº 8.032, abrindo um crédito especial, junto ao Ministério da Fazenda, para subscrever as suas ações ordinárias; e 3) o de nº 19.706, outorgando à empresa a concessão, por 50 anos, do aproveitamento progressivo da força hidráulica do rio São Francisco, no trecho entre Juazeiro (BA) e Piranhas (AL), com o objetivo de fornecer energia elétrica em alta-tensão aos concessionários de serviço público, na área compreendida por uma circunferência de 450 km de raio, centralizada na cachoeira de Paulo Afonso.

Cabe ressaltar que a área de concessão da CHESF localizava-se no chamado Polígono das Secas e, inicialmente, a Companhia iria beneficiar os seguintes Estados nordestinos: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Na época, 89% do território de Pernambuco estava em regime de seca; 54%, na Bahia; e, 39%, em Alagoas.

No dia 15 de março de 1948, realizou-se a Assembléia Geral de constituição da CHESF, sendo eleitos os engenheiros Alves de Souza, como presidente, e Otávio Marcondez Ferraz, como diretor técnico. Como parte fundamental de sua primeira usina – a de Paulo Afonso – foi construída a barragem de Paulo Afonso, em um arquipélago fluvial distando 250 km da foz do rio São Francisco.

A CHESF terminava o projeto piloto da usina no dia 23 de março de 1949, e o encaminhava ao presidente Gaspar Dutra. Aprovado o mesmo, foi escolhido o diretor técnico Marcondes Ferraz para elaborar o projeto executivo, e ser o superintendente geral das obras.

Em 1954, a usina de Paulo Afonso I era inaugurada. Nela, funcionavam duas máquinas geradoras de 60.000 kW cada uma. Por sua vez, a ensecadeira do lado baiano, que iria permitir a finalização das comportas restantes, ainda se encontrava no leito do rio São Francisco. Para testar a usina e treinar os futuros operadores, a CHESF contou com o apoio das empresas Westinghouse, Electricité de France e Light. Com a mesma capacidade das anteriores, uma terceira máquina foi instalada depois, possibilitando à Companhia triplicar o seu mercado de energia regional.

Apolônio Sales assumia a presidência da CHESF em 1962. Nesta ocasião, a empresa receberia um considerável aumento do seu capital, por intermédio da ELETROBRÁS, que se destinava a ser a holding das principais empresas de geração de energia elétrica do País.

No início da década de 1970, a Companhia conseguia triplicar a marca dos 310.000 kW atingidos em 1962. Sua expansão, neste sentido, ocorreu mediante a ampliação do complexo de Paulo Afonso (através da construção das usinas hidrelétricas de Boa Esperança, Paulo Afonso III e Paulo Afonso IV), da incorporação de usinas pertencentes a outras empresas e autarquias e, sobretudo, da construção das barragens de Sobradinho, Moxotó e Itaparica. A CHESF ficou, então, com uma potência de 10.700 MW.

Vale registrar que, em 1970, o raio de extensão da CHESF já se estendia por 700 km, tendo o seu centro em Paulo Afonso, e o sistema contava com 115 subestações e uma rede de transmissão que ultrapassava 10.000 km.

Atualmente, a CHESF fornece energia elétrica para os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, através de várias usinas e termelétricas, que possuem a capacidade de gerar 10 milhões e 703 mil kW, e atendem a uma área de mais de um milhão de km2, correspondente a 15% do território nacional. São as seguintes as suas usinas: Piloto, Paulo Afonso I, Curemas, Paulo Afonso IIA, Funil, Araras, Paulo Afonso IIB, Boa Esperança, Paulo Afonso III, Apolonio Sales, Pedra, Paulo Afonso IV, Sobradinho, Luiz Gonzaga e Xingó.

Só para se ter uma idéia do tamanho de Sobradinho, vale salientar que este representa um dos maiores lagos do mundo, equivalendo a quatro vezes a baía de Todos os Santos. Aquele reservatório, também chamado de lago de Sobradinho, possui 34 bilhões de metros cúbicos de água, e o seu espelho d’água tem 4.200 km2 e um remanso de 300km. O lago da barragem de Itaparica, por outro lado, possui um espelho d’água de 11 bilhões de metros cúbicos de água e um remanso de 150 km. Como um todo, os reservatórios da CHESF armazenam cerca de 50 bilhões de m3 de água, mas somente 34 bilhões formam o volume útil disponível para a geração de energia elétrica.

Movidas a gás natural, um combustível ecologicamente aprovado, Camaçari e Bongi - as duas termelétricas da Companhia - estão localizadas, respectivamente, nas regiões metropolitanas de Salvador (BA) e do Recife (PE).

Utilizando sempre as mais modernas tecnologias, a CHESF busca, também, fontes alternativas de energia. Entre outras, a empresa tem investido em sistemas de geração de energia solar, bem como na implantação de estações que medem o potencial eólico da Região Nordeste.


Fontes consultadas:

CHESF. Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. Recife, [2002?].

GOMES, Francisco de Assis Magalhães. História & energia: a eletrificação no Brasil. São Paulo: Eletropaulo, 1986.

IULIANELLI, Jorge Atílio Silva. Análise (curta) dos confrontos (recentes) do pólo sindical do Sub-Médio São Francisco: quando o inimigo é difuso e criminoso. Cadernos do CEAS, Salvador, n. 185, p. 37-56, jan.-fev. 2000.

JUCÁ, Joselice. CHESF, 35 anos de história. Recife: CHESF, 1982.

LINS, Rachel Caldas. Uma aproximação hidrográfica com as perspectivas energéticas do Nordeste. Estudos Universitários: Revista da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, v. 13, n. 4, p. 41- 69, out.-dez. 1973.

NASCIMENTO, Luiz Fernando Motta. Paulo Afonso: luz e força movendo o Nordeste. Salvador: EGBA/ACHÉ, 1998.

OLIVEIRA, Rezilda Rodrigues. A CHESF e o papel do Estado na geração de energia elétrica. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. 1, p. 10-35, jan.-mar. 2001.

CEMITÉRIO JUDEU NAS AMÉRICAS, Recife

CEMITÉRIO JUDEUS NAS AMÉRICAS (Recife)

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


No século XVI, a bordo das naus lusas, muitos judeus vieram da Península Ibérica para o Brasil. Sabe-se, hoje, que eram cristãos-novos (os judeus recém convertidos ao catolicismo para escapar da Inquisição) os portugueses Gaspar da Gama - o intérprete da armada de Cabral -, Fernando de Noronha, João Ramalho, o próprio donatário Duarte Coelho Pereira, o poeta Bento Teixeira, entre tantos outros (MOURA, 2002).

Desse modo, Recife e Olinda receberam muitos colonizadores judeus que fugiam das perseguições inquisitórias. Com a chegada dos holandeses a Pernambuco e, em particular, com a presença do conde Maurício de Nassau, os imigrantes judeus puderam usufruir de grande liberdade para praticar sua religião e tradições. Instalando-se no Estado, eles construíram escolas, sinagogas, clubes e instalaram cemitérios.

Não se sabe o tamanho exato da população judaica que veio para o Nordeste do País, mas os pesquisadores estimam que, durante o domínio flamengo (1630-1654), viviam no Recife cerca de trezentos judeus (MELLO, 1996). Durante esse período, as terras que pertencem ao atual
bairro dos Coelhos eram chamadas de Cemitério dos Judeus, porque ali eram realizados os sepultamentos dos imigrantes que professavam a fé judaica.

A construção da
Sinagoga Kahal Zur Israel (ou Congregação Rochedo de Israel) representou um dos marcos mais importantes da presença judaica no Brasil-Colônia. Essa sinagoga está localizada na Rua do Bom Jesus – chamada, antigamente, de Rua dos Judeus - no bairro do Recife, e foi o primeiro templo oficial judaico nas Américas. Os imigrantes trataram, também, de reservar uma área específica para instalar um cemitério próprio, e poder sepultar os mortos de acordo com a fé mosaica.

Uma ata datada de 1876, do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, já sugeria a necessidade de se empreender um estudo mais profundo, visando à localização do primeiro cemitério judeu das Américas. Este cemitério estava assinalado em mapas do período da colonização batava. E o historiador Gonsalves de Mello, baseando-se nesses mapas, registrou que o cemitério se localizava em uma região chamada Sítio dos Coelhos, e que fora cercado por uma paliçada protetora, derrubada por volta de 1641, pelo governo holandês. Segundo registrou o autor, no referido local fora levantado um pequeno posto militar.

Visitando pessoalmente os sítios descampados, Ribemboim concluiu que os fundos da instituição religiosa Dispensário Santo Antônio deveriam ser objeto de prospecções arqueológicas. Esse Dispensário está localizado na Rua de São Gonçalo, número 109-A, no
bairro dos Coelhos, e funciona como uma entidade religiosa coordenada pelas Irmãs de Caridade Filhas de Maria. Uma parte da área dos fundos do Dispensário, que foi cedida à Congregação de Nossa Senhora da Glória, teria sido utilizada, ainda, como parte do cemitério. Além desses, dever-se-ia considerar, também, a área dos fundos da empresa Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa. Desse modo, Ribemboim delimitou três retângulos, onde deveriam ser processadas as investigações.

Segundo o autor, observa-se uma Estrela de Davi - o símbolo judaico - no frontal da entrada daquele Dispensário, mas ninguém soube explicar o porquê da presença daquele símbolo (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).

Tecnicamente, dando continuidade aos trabalhos de pesquisa, o arquiteto Mota Menezes apontou, com relativa precisão, como área a ser prospectada com recursos arqueológicos, o lugar onde funcionou o primeiro cemitério judeu das Américas. Cabe esclarecer que ele partiu de sobreposições de mapas mais antigos aos mais recentes, e que utilizou o processo de triangulação e de medidas proporcionais. Mota Menezes focalizou construções e locais que não haviam sofrido grandes modificações, desde aquela época até os dias atuais, e chegou à conclusão de que o cemitério deveria estar no terreno do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, não descartando, inclusive, uma área do Dispensário Santo Antônio e uma parte das instalações do Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, que possui uma entrada pela rua Dr.
José Mariano (RIBEMBOIM; MENEZES, 2005).

Portanto, o local onde funcionou o primeiro cemitério judeu, compreende um polígono que abrange os fundos de duas instituições religiosas, juntamente com os fundos de uma empresa comercial. E, muito embora não se conheça a dimensão exata desse espaço, Ribemboim e Mota Menezes presumem que ele não seja dos menores. E, levam em conta algumas variáveis: 1) o número de judeus, no período do Brasil Holandês, era elevado; 2) o cemitério tinha que servir às populações judaicas de Recife, Maurícia e outras localidades adjacentes; e 3) a ocupação flamenga em Pernambuco durou vinte e quatro anos.

Sendo assim, os autores delimitaram, no Dispensário, uma área a ser prospectada, compreendendo um retângulo de cerca de 80 metros por 110 metros. No tocante ao Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, o objeto de investigação englobou uma área medindo 35 metros por 60 metros. E, em relação ao Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa, a cartografia indicou uma área retangular descampada de, aproximadamente, 35 metros por 146 metros para ser pesquisada.

Apresentam-se, abaixo, os nomes de alguns judeus que viveram em Pernambuco, durante a ocupação holandesa, cujos óbitos devem ter ocorrido entre os anos 1630 e 1634, e que, provavelmente, foram sepultados naquele cemitério (RIBEMBOIM & MOTA MENEZES, 2005).

Nome
Ano do enterro
Felipe Dias do Vale
antes de 1634
Manuel Mendes de Castro
1638
Benedictus Jacob
1641
Moses Abendana
1642
Benjamin Pereira
1644
Moses Mendes
1645
Isaac Russon (ou Rusten)
1645 ou 1646
Antonio Montesinos
1646 ou 1647
David Henriques
1648
David Barassar
1648
Baltasar da Fonseca
antes de 1649
Jacob Delian
1649
David Senior Coronel
1651
Salamão Musaphia
1651
Simon Bar Mayer
1653 ou 1654
Antonio da Costa Cortizes
-
Esposa do neto de David Senior Coronel

Segundo Ribemboim e Mota Menezes, caberia esclarecer, também, alguns pontos importantes:
1) não foram encontrados registros sobre o possível traslado do corpo de Benjamin Pereira, falecido na Paraíba, para o cemitério dos Coelhos; 2) de acordo com os registros bibliográficos, Isaac Russon, David Henriques, David Barassar e Moses Mendes, executados por forças luso-brasileiras, teriam sido enterrados na Igreja de São João Batista, em Olinda, não se tendo conhecimento se os restos mortais desses quatro judeus foram trasladados, depois, para o cemitério dos Coelhos; e 3) não foram encontrados registros que precisassem as datas exatas dos enterros de Antonio da Costa Cortizes, e da esposa do neto de David Senior Coronel, desconhecendo-se, também, o nome dela.

De acordo com um alvará de 26 de setembro de 1656, após a expulsão dos holandeses, coube ao herói
Henrique Dias, como espólio de guerra, as terras que incluíam o cemitério judeu.
Vale registrar, finalmente, que, apenas através de prospecções arqueológicas será possível se conhecer os nomes de todos aqueles que foram sepultados no primeiro cemitério judeu das Américas. Isso, porém, só virá a ocorrer, se o tempo e as águas do
rio Capibaribe não tiverem pulverizado suas lápides e seus restos mortais.


Fontes consultadas:

KAHAL Zur Israel: Congregação Rochedo de Israel: resgate da memória da 1a. Sinagoga das Américas. Recife: Fundação Safra/Centro Cultural Judaico de Pernambuco, 2001.

KAUFMAN, Tânia Neumann. Passos perdidos, história recuperada: a presença judaica em Pernambuco. Recife: Edição do Autor, 2000.

LIPINER, Elias. Izaque de Castro: o mancebo que veio preso do Brasil. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1992.

MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 9-233, 1979.

MOURA, Hélio Augusto de. Presença judaico-marrana durante a colonização do Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 18, n. 2, p. 267-292, jul./dez. 2002.

RIBEMBOIM, José Alexandre. Senhores de engenho: judeus em Pernambuco colonial (1542-1654). Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1998.

______; MENEZES, José Luís Mota. O primeiro cemitério judeu das Américas: período da dominação holandesa em Pernambuco (1630 - 1654). Recife: Edições Bagaço, 2005.

SINAGOGA Rochedo de Israel: memória e resgate. Brasília, D.F.: Ministério da Cultura, 2001.


CEMITÉRIO DOS INGLESES / INGLESES EM PERNAMBUCO

CEMITÉRIO DOS INGLESES/INGLESES EM PERNAMBUCO
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


No começo do século XIX, quando o príncipe regente D. João abriu os portos do País, os ingleses começaram a chegar ao Brasil - em especial, para São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A Inglaterra era possuidora de uma frota poderosa que percorria o mundo, e os ingleses esperavam encontrar aqui uma boa oportunidade para expandir sua indústria e comércio, bem como obter o máximo de lucro.

Naquela época, a cidade do Recife possuía aproximadamente 200.000 habitantes, e a colônia inglesa já se apresentava de forma bastante expressiva, com a presença das seguintes firmas, bancos e empresas concessionárias de serviços públicos: a Western Telegraph Company (que possibilitava o contato com o mundo, através do cabo submarino), Pernambuco Tramways and Power Company (que interligava o Recife, com os seus trens, às demais cidades de Pernambuco e do Nordeste), Huascar Purcell, Pernambuco Paper Mills, Western of Brazil Railway Company, Price Waterhouse, Machine Cotton, John A. Thom (negociante de algodão, borracha, açúcar, mamona, cera), Cory & Brothers, Bank of London & South America, London & River Plate Bank, Royal Bank of Canada, Boxwell & Cia. (o maior estabelecimento de enfardamento de algodão), Williams & Cia.(exportadores de açúcar e algodão), Conolly & Cia. (casa de câmbio), Ayres & Son (representante de várias firmas e fabricantes), e White Martins.

Em 1810, entre Portugal e Inglaterra, foi celebrado o Tratado de Navegação e Comércio. Seu artigo 12 estabelecia: os vassalos, de Sua Majestade Britânica, que morressem em territórios de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, deviam ser enterrados em lugares designados para este fim. Portanto, no ano seguinte, tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, já haviam sido escolhidos alguns terrenos para servir de cemitério aos súditos britânicos que, por não serem católicos, não podiam ser enterrados em templos católicos ou em pequenos cemitérios a eles anexos, devendo ser enterrados em qualquer outro lugar: nas praias, nas campinas ou em outras áreas descampadas.

No que se refere a Pernambuco, em 1814, o governador da então Capitania, sob as ordens do Príncipe Regente, tinha mandado demarcar em um lugar chamado, desde o século XVI, de Santo Amaro das Salinas "um terreno de 120 palmos de frente sobre 200 de fundo, desapropriando e doando aquela área ao Cônsul Inglês com a finalidade específica de ali ser construído o Cemitério dos Ingleses. Nas suas proximidades existia o Lazareto de Santo Amaro, onde eram postos em quarentena os escravos recém-chegados da África, o que demonstra o relativo isolamento do lugar então escolhido" (PARAÍSO, 1997, p. 36). Por iniciativa dos próprios ingleses, entretanto, a área foi ampliada mediante a aquisição de terrenos vizinhos.

O Cemitério dos Ingleses está localizado na avenida Cruz Cabugá,
bairro de Santo Amaro, trajeto que liga o Recife a Olinda. Encontra-se fechado a maior parte do tempo. Apresenta um portão de ferro datado de 1852 - obra dos ingleses da Fundição d'Aurora - e possui um administrador particular, não remunerado, que é eleito, em sua maioria, por ingleses e/ou seus descendentes que ali possuem jazigos. Na capela do referido cemitério pode-se encontrar, também, uma exposição de ex-votos.

O cemitério já teve o nome de estrada de Luís Rego, no Sítio das Salinas. Não foi apenas a última morada de ingleses anglicanos, mas também, nos últimos tempos, de holandeses, franceses, suíços, americanos, alemães, não apenas protestantes, e inclusive de brasileiros não-protestantes. Naquele cemitério, permanecem os restos mortais do general
Abreu e Lima que, na época, embora cristão, e não declaradamente protestante, não pôde ser enterrado nos chamados Campos Santos, devido à intransigência do bispo católico Francisco Cardoso Ayres.

A influência inglesa em Pernambuco foi bem marcante. Quando a atual avenida
Conde da Boa Vista se chamava apenas de rua Formosa, já existia uma igreja anglicana - a Holly Trinity Church (foto acima) - local onde se encontra, hoje, o Edificio Duarte Coelho e o cinema São Luiz. Os recifenses chamavam-na de Igrejinha dos Ingleses. E, no número 35 do antigo aterro da Boa Vista (a atual rua da Imperatriz), existia o British Hospital, uma casa de quatro andares, com um cais de embarque e desembarque no Capibaribe, que era destinada, em princípio, aos súditos britânicos, e que encerrou as suas atividades no final de 1878. Na própria rua Padre Inglês, no bairro da Boa Vista, hoje chamada de rua do Padre Inglês, costumavam se hospedar os ingleses.

Quando os primeiros clubes de futebol da cidade foram criados, os ingleses estavam presentes. Muitos funcionários da
Great Western e da Western Telegraph praticavam esse esporte nos quintais de suas casas. Do entusiasmo desses homens, nasceu o Sport Club do Recife, o primeiro clube de futebol da cidade, fundado em 13 de maio de 1905.

Cabe registrar que, em 1909, houve uma disputa entre os clubes Sport e Náutico (ambos contendo muitos jogadores ingleses), no campo do Pernambuco British Club (não confundir com o The British Country Club, que ainda não existia), clube de origem inglesa, que tinha a sua sede no local onde funciona hoje o
Museu do Estado, na Avenida Rui Barbosa. Dos campeonatos da época, participavam dois times mantidos pelos ingleses: o Great Western e o Tramways, cujos jogadores eram, em sua maioria, funcionários daquelas empresas. O Tramways, em especial, que muitos chamavam de "Trâmis" chegou a ser destaque no futebol pernambucano, tendo sido campeão estadual em 1936 e 1937.

Em muitos termos usados no futebol brasileiro, como por exemplo, goal, team, goal-keeper, match, referee, foul, center-forward, dribling, corner, off-side, penalty, full-back, palavras que os recifenses deturpavam e diziam quipa, centrefó, dribe, córne, houve uma grande influência dos ingleses. As palavras off-side e penalty, foram incorporados ao futebol, bem como os vocábulos goleiro, escanteio, centroavante e finta. Sem falar em inúmeros outros que foram incorporados à língua portuguesa e que não estão relacionados ao futebol: suéter, bife, vagão, rosbife, blefe e flerte. Há quem diga, até, que a palavra forró surgiu quando a Great Western, para comemorar a inauguração de sua primeira estrada de ferro, promoveu um baile animado por sanfona e zabumba, colocando um cartaz escrito for all (para todos).

A influência inglesa se fez sentir, ainda, em certos hábitos: o uso do tecido tropical inglês, do linho diagonal branco - o Taylor & 120 - que não feria a pele do pescoço, da casimira, a gravatinha borboleta, os sapatos com polainas, os chapéus de palha, as bengalas, entre outros. No Recife, eram várias as casas comerciais que sugeriam, em seus nomes, a procedência inglesa - fossem ou não de propriedade de ingleses -, visando dar às mesmas maior credibilidade e idéia de solidez. Entre elas, podem ser mencionadas as seguintes: Botica Inglesa, Sapataria Inglesa, Casa Black, Botina Inglesa e Alfaiataria Londres.

Em 1919, já existiam no Recife pelo menos três clubes de origem inglesa: o Pernambuco Cricket Club, o Lawn Tennis Club e o Pernambuco British Club. Em 1920, foi a vez de ser fundado o The British Country Club, no bairro dos Aflitos, que pertencia ao Clube Náutico. O clube foi criado com a finalidade de promover jogos atléticos e reuniões sociais e, em seus estatutos, ficou estabelecido que os sócios de nacionalidade diferentes da britânica não teriam direito a votar nas assembléias gerais nem tomar parte alguma nos negócios internos do Club.

Em 1928, George Litlle, funcionário graduado da Great Western, e alguns de seus amigos criaram um clube de golf, denominado Pernambuco Golf Club, que deu origem ao atual Caxangá Golf & Country Club. O Town British Club, na rua Bom Jesus, em cima do London Bank, foi fundado também pelos ingleses. Mudou-se, posteriormente, para a avenida Rio Branco, tendo fechado suas portas no final da década de 1980.

O último bonde inglês, a circular no Recife, fazia o trajeto Boa Vista -
Madalena, e funcionou até março de 1954. O bonde de número 104, contudo, conseguiu ser preservado: permanece exposto na frente do Museu do Homem do Nordeste, na Fundação Joaquim Nabuco.


Fontes consultadas:

FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1977.

MELLO, José Antonio Gonçalves de. Ingleses em Pernambuco: história do cemitério britânico do Recife e da participação de ingleses e outros estrangeiros na vida e na cultura de Pernambuco, no período de 1813 a 1909. Recife: Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1972.

PARAÍSO, Rostand. Esses ingleses... Recife: Bagaço, 1997.

CEMITÉRIO DE SANTO AMARO

CEMITÉRIO DE SANTO AMARO (Recife)
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


O cemitério de Santo Amaro, o maior cemitério público da cidade do Recife, fica localizado na rua do Pombal, sem número, no bairro de Santo Amaro. A sua construção foi iniciada no governo de Francisco do Rego Barros e a sua inauguração ocorreu no dia 1º de março de 1851, sob a denominação de Cemitério do Bom Jesus da Redenção de Santo Amaro das Salinas. O cemitério possui uma capela em estilo gótico, com formato octogonal, obra de Mamede Ferreira, que foi erguida no centro do grande terreno. Internamente, observam-se pinturas de Rinaldo Lessa. Quatro lápides resumem a estória da referida capela:

A Câmara Municipal do Recife a mandou fazer em 1853.
...
1855, segundo o plano do engenheiro civil José Mamede Alves Ferreira.
Reaberta e melhorada na administração do Exmo. Dr. Esmeraldino Olympio de Torres Bandeira, prefeito do Município do Recife. Em 16 de junho de 1899.
Restaurada na administração do Exmo. Sr. Dr. Francisco da Costa Maia, prefeito do Município, 1930.

Um dos túmulos mais visitados do cemitério de Santo Amaro, é o da Menina-sem-Nome. Está sempre coberto de flores, de ex-votos, de jarros, de velas. Nele, lê-se: Menina-sem-Nome. Sofrestes na terra, mas por prêmio ganhastes o céu.

O mausoléu de
Joaquim Nabuco é o mais valioso de todos: é uma obra artística do escultor Giovanni Nicolini, professor em Roma, e feita em mármore de Carrara. A obra retrata o fato mais importante na vida do famoso abolicionista: a libertação dos escravos no Brasil. Ela apresenta alguns ex-escravos que levam, sobre suas cabeças, o sarcófago simbólico de Joaquim Nabuco. Na frente do monumento, vê-se o busto do abolicionista. A seu lado, a escultura de uma mulher, simbolizando a História, que enfeita de rosas o pedestal do seu busto, onde é possível se ler: A Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo. Nasceu a 19 de agosto de 1849. Faleceu a 17 de janeiro de 1910.

Na base do pedestal de Nabuco, onde está presente uma coroa de flores, está escrito: A Joaquim Nabuco, o comandante, officiais e guarnição do "Minas Gerais". Washington, 14-3-1916.

E, na parte posterior do mausoléu do abolicionista, lê-se ainda: Homenagem do Estado de Pernambuco ao seu dileto filho, o Redentor da raça escrava no Brasil.

Vários mausoléus imponentes podem ser encontrados, também, no cemitério de Santo Amaro. O do governador Manuel Antônio Pereira Borba, mais conhecido como
Manuel Borba, possui uma mulher de bronze com torre na cabeça, e em seus pés um grande leão. No mausoléu, uma frase que ficou famosa: Pernambuco não se deixará humilhar. E a sua efígie, com a seguinte inscrição:

Cidadãos: quando quiserdes advertir aos vossos governantes, incitar os vossos compatriotas e educar os vossos filhos, apontai-lhes o exemplo que foi Manuel Borba - probidade e caráter - lealdade - bravura cívica. MCMCCCII. [sic]

Pode-se admirar ainda uma série de mausoléus: o da Família Drummond (com um escudo de mármore, sobre uma pequena ampulheta, com uma caveira e uma foice); o Túmulo dos 4 bustos (uma obra de arte, toda em mármore, pertencente à Família Miguel José Alves, representando quatro irmãos: um homem com as mãos no peito e três mulheres chorando em volta dele); o de Joaquim Nunes Machado (uma pequena coluna de mármore com capitel dórico, tendo um jarro fechado, parcialmente coberto por um manto); o de Antônio Peregrino Maciel Monteiro, o 2o. Barão de Itamaracá (em mármore, ornado com flores, volutas e anjos); o do jornalista e poeta Paulo Arruda (com quatro colunas geminadas e partidas na parte superior, e um livro de mármore, aberto no pedestal, com um extenso texto); o do pintor e poeta
Vicente do Rego Monteiro (auto-relevo em mármore de uma mulher rezando, com um cachorro ao seu lado); o do governador Estácio de Albuquerque Coimbra (com uma grande estátua de Jesus, em bronze, entre as estátuas de uma mulher e de um operário); entre tantos outros.

A sepultura de maestro
Nelson Ferreira, contudo, não poderia ser mais simples: 21-12-76.

Um dos mausoléus chama a atenção do público pelo nome próprio pouco comum:

Aqui descansa Homem Bom da Cunha Souto Maior (1850 - 1903).

O túmulo do poeta José Izidoro Martins Júnior (1860 - 1904) também é interessante. Contém uma elegante coluna coríntia, enfeitada de guirlanda e sete livros em mármore, com os títulos das obras do professor:

Estilhaços/Visões de Hoje/Retalhos/Tela Polycroma/Verdadeiros Vôos/Poesia Scientifica/ Fragmentos Jurídico-filosoficos/Historia do Direito/Hist. do Direito Nacional/Soberania e Acre.

As pessoas procuram visitar sempre, no cemitério de Santo Amaro, o chamado túmulo do cachorrinho: a sepultura de Newton Sabóia Lins Petit (1909 - 1971). Ela apresenta estátuas de anjos e de uma moça, em mármore, e um pequeno cachorro em gesso, deitado. O mais interessante, porém, são os versos famosos gravados em sua última morada:

Pela estrada da vida, subi morros,
Desci ladeiras e enfrentei perigos;
entre os amigos, encontrei cachorros,
e entre os cachorros descobri amigos.


Fonte consultada:

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife: estátuas e bustos, igrejas e prédios, placas e inscrições históricas do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

CELINA GUIMARÃES VIANA

CELINA GUIMARÃES VIANA
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

No início do século XX, as mulheres já reivindicavam o direito de votar. Neste sentido, as pioneiras foram Myrthes de Campos - primeira mulher e advogada a entrar para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) -, e Leolinda Daltro - uma professora que, em 1910, fundou o Partido Republicano Feminino. Mesmo tendo se baseado nos Artigos 69, 70 e 72, da Constituição Republicana do Brasil, de 1891, e no Código Eleitoral vigente desde 1904 - que asseguravam a igualdade de direitos para todos, sem excluir as mulheres dos conceitos de cidadania e das condições de elegibilidade - elas tiveram seu pleito negado.


Diante da perspectiva feminista, vale salientar que os partidos e as igrejas, no Brasil, se destacam como as grandes trincheiras do conservadorismo, em favor da manutenção da cultura androcêntrica. A despeito de pregarem a democracia, preferem não relacioná-la à transformação das relações de gênero. Não é preciso muito esforço, porém, para se compreender o porquê desse fenômeno: regidas pela hierarquia e pelo clientelismo, aquelas duas instituições se mantêm como baluartes do patriarcado, procurando garantir, através do espaço privado, o controle do corpo feminino, e, por intermédio do espaço público, a exclusão das mulheres das decisões políticas (BUARQUE; VAINSENCHER, 2005).

Inseridas nesse contexto, as brasileiras não tinham o direito de votar e/ou ser votadas, até a segunda década do século passado. Estavam em vigência as relações oligárquicas da República Velha, mediante as quais predominava o poder exclusivo dos homens. As mulheres norte-rio-grandenses não estavam alijadas do processo de lutas por igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas, também, não se encontravam totalmente inseridas nesse processo. A mudança das relações de gênero despontou quando as potiguares conseguiram levar adiante uma importante reivindicação, que resultou na conquista dos direitos políticos e cidadãos na história da América do Sul: o direito de votar e de ser votada para cargos públicos eletivos.

Foi nesse cenário que se destacou Celina Guimarães Viana. Nascida em Mossoró, no Rio Grande do Norte, no dia 15 de novembro de 1890, ela era filha de Elisa Aguiar de Amorim Guimarães e José Eustáquio de Amorim Guimarães. Formou-se professora, pela Escola Normal de Natal e, em 1911, casou com o advogado e professor Elyseu de Oliveira Viana. Em 1914, atendendo ao convite do diretor de Instrução Pública do Estado, Celina assumiu a cadeira infantil do Grupo Escolar 30 de Setembro, em sua cidade natal.

No tocante à Constituição brasileira, cabe salientar que, apesar de ela haver sido revisada em 1926, os legisladores não incluíram uma disposição consagrando, explicitamente, igualdade de direitos para ambos os sexos. Isto gerou protesto do então senador Juvenal Lamartine, um candidato ao Governo que defendia a inclusão de direitos e deveres cívicos para homens e mulheres, tendo ele remetido um telegrama ao presidente do Estado. Em decorrência do protesto, o deputado Adauto da Câmara apresentou, então, nas Disposições Gerais, a seguinte emenda do Artigo 77: No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.

Em 25 de outubro de 1927, entrava em vigor a Lei Estadual nº 660, com a emenda Regular o Serviço Eleitoral do Estado, que estabelecia não haver distinção de sexo para o exercício do sufrágio e como condição básica de elegibilidade. Dessa maneira, no dia 25 de novembro de 1927, Celina Guimarães Viana deu entrada em uma petição, requerendo sua inclusão na lista de eleitores. Ao receber do juiz um parecer favorável, fez um apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito. No telegrama enviado, lia-se: Peço nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal – Saudações Celina Guimarães Viana – Professora Escola Normal Mossoró.

O documento original despachado pelo juiz Israel Ferreira Nunes, escrito em bico de pena em papel almaço, com o nome de Celina, encontra-se no Museu Histórico Lauro da Escóssia, em avançado estado de desgaste. Esse é o documento que comprova o pioneirismo de Mossoró em relação ao voto das mulheres. No Museu, encontram-se, ainda, uma exposição de fotos de Celina Guimarães Viana.

É importante lembrar que, a primeira mulher a requerer a inclusão no alistamento eleitoral, não foi Celina. Tal pioneirismo coube, em verdade, à professora Júlia Alves Barbosa, catedrática da Escola Normal de Natal, no dia 24 de novembro de 1927. No entanto, dada à sua condição de solteira, na época, o juiz da 1ª vara da Capital retardou o deferimento do pleito de Júlia, e este só foi publicado no Diário Oficial do Estado em 1º de dezembro do mesmo ano.

Independentemente do resultado dos pleitos, é possível se constatar, então, como o movimento sufragista potiguar era atuante, já no começo do século XX. O despacho de Celina recebeu rápida aprovação, por parte do juiz, contribuindo para isso o fato de ela ser casada e respeitada, isto é, de ser esposa de um advogado e professor. Só por essa razão, ela se tornou a primeira eleitora não, apenas, do Rio Grande do Norte e do Brasil, mas, de toda a América Latina. E Júlia Alves Barbosa, por não estar casada naquele ano, foi a segunda mulher a votar. Quanto à questão de ter se tornado, de repente, uma mulher emblemática, Celina confessou:

Eu não fiz nada! Tudo foi obra de meu marido, que empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a dele, levando meu nome de roldão. Jamais pude pensar que, assinando aquela inscrição eleitoral, o meu nome entraria para a história. E aí estão os livros e os jornais exaltando a minha atitude. O livro de João Batista Cascudo Rodrigues - A Mulher Brasileira - Direitos Políticos e Civis - colocou-me nas alturas. Até o cartório de Mossoró, onde me alistei, botou uma placa rememorando o acontecimento. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido.

Antes da promulgação da Lei Estadual n. 660, não se conhece, em verdade, a atuação de Celina pelos direitos políticos e civis das mulheres e, em particular, sua luta pelo voto feminino. Sabe-se, porém, que, após o advento da Lei, ela passou a conscientizar as mulheres sobre a importância do voto: elaborou um texto, imprimiu-o em forma de panfleto, e distribuiu junto às mulheres, solicitando a todas que fossem votar, e reiterando que tal ação contribuía para o progresso de Mossoró. Vale ressaltar que, somente na década seguinte, aquela Lei foi ampliada para os demais Estados da Federação.
É importante que se diga que o relevante ganho político conferido às mulheres, no Rio Grande do Norte, resultou das reivindicações feministas por igualdade de direitos, lideradas pela bióloga paulista Bertha Lutz (1894 -1976). Bertha foi uma das lideranças feministas mais expressivas na campanha pelo voto das mulheres, e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Todo esse processo reivindicatório, em várias partes do Brasil, incentivou e acirrou as lutas em prol dos direitos. E foi através dessa luta que Bertha Lutz conheceu Celina Guimarães Viana e elas se tornaram muito amigas.

Sem sombra de dúvida, Celina era uma mulher à frente de seu tempo. Como educadora, em uma época onde a disciplina dos alunos era regida por meio da palmatória, ela aboliu tal mecanismo e passou a utilizar o teatro, como forma de atrair a atenção dos jovens. Redigiu textos de peças, montou figurinos e realizou apresentações na escola. Por essa e outras iniciativas pedagógicas, Celina foi incluída no Livro de Honra da Instrução Pública, um reconhecimento pelos bons serviços prestados ao Estado.

Um outro aspecto a ser registrado é que Celina foi a primeira pessoa que divulgou o futebol em Mossoró. O esporte era bem pouco conhecido e ela, para satisfazer o desejo dos alunos, traduziu do inglês para o português todo o manual do jogo, com suas regras e, com o apito na boca, conduzia os jovens ao descampado para ensinar-lhes o esporte.

Toda essa energia positiva contribuiu para que Celina Guimarães Viana tivesse uma vida longa. Ela faleceu em Belo Horizonte, no dia 11 de julho de 1972.


Fontes consultadas:

BLOG do Luis Carlos Petroleiro. Disponível em:

BUARQUE, Cristina; VAINSENCHER, Semira Adler. ONGs no Brasil: da filantropia ao feminismo. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 18, n. 1, p. 5-19, jan./jun. 2005.

CELINA Guimarães. Disponível em:

MINISTRO Emmanoel homenageia os 80 anos do voto feminino no Brasil. Disponível em: <http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=8175&p_cod_area_noticia=ASCS>. Acesso em: 4 maio 2008.

NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Celina Guimarães e os 80 anos da primeira concessão do voto feminino. Disponível em:

OS oitenta anos do voto de saias na Brasil. Disponível em:

SCHUMAHER, Shuma; BRAZIL, Érico Vital (Org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.


CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


No dia 8 de outubro de 1863, em São Luís, Estado do Maranhão, nascia Catullo da Paixão Cearense. Os seus pais eram Maria Celestina Braga da Paixão e Amâncio José da Paixão Cearense, um ourives. Catullo tinha mais dois irmãos: Gil e Gerson. Quando ele tinha dez anos, os seus familiares se mudaram para o sertão do Ceará e, sete anos depois (em 1880), eles foram morar na rua São Clemente, número 37, em Botafogo, no Estado do Rio de Janeiro.

Catullo estudou no Colégio Teles de Meneses onde, entre outras disciplinas, aprendeu profundamente a língua francesa. Chegou a traduzir para o português as obras de diversos poetas de renome internacional e, em 1885, foi residir na casa do senador do Império Silveira Martins, para poder ensinar português aos filhos desse político.

Estudioso que era, o jovem Catullo também fundou um colégio no bairro da Piedade, Estado do Rio, passando a lecionar diversas línguas.

Pelo fato de possuir muita força física, o rapaz conseguiu um trabalho como estivador no cais do porto do Rio. Nas horas vagas, Catullo estudava música e chegou a tocar dois instrumentos: flauta de cinco chaves e violão.

Durante as noites, freqüentava repúblicas de estudantes, tendo como companheiros de boemia e de chorinhos o compositor Calado, o flautista Viriato, o regente e compositor Anacleto de Medeiros, além de Albano, Quincas Laranjeira e o cantor Cadete.

Catullo começou juntando as letras de uma série de músicas e canções e publicando-as através da Livraria do Povo. Posteriormente, passou a publicar, também, os seus trabalhos, a exemplo de O cantor fluminense, Lira dos salões, Novos cantares, Lira brasileira, Canções da madrugada, Trovas e canções e Choros ao violão. Ele era conhecido como "vate sertanejo".

As principais músicas compostas por Catullo foram as seguintes:

Flor amorosa (em parceria com Antônio Callado - 1880)
Luar do sertão (com João Pernambuco - 1914)
Ontem ao luar (com Pedro Alcântara, em 1907, e letra em 1913)
Por um beijo (com Anacleto de Medeiros -1906)
Rasga o coração (com Anacleto de Medeiros -1887)
Talento e formosura (com Edmundo Octávio Ferreira -1904)

Catullo escreveu 15 livros de poesias, dentre os quais se encontram: Meu sertão (em 1918), Sertão em flor (em 1919), Poemas bravios (em 1921), Mata iluminada e Aos pescadores (em 1923), Meu Brasil, Um boêmio no céu e Alma do sertão (em 1928), e Poemas escolhidos (em 1944).

Como o poeta também era músico, ele costumava adaptar as suas poesias às canções de compositores famosos como Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, João Pernambuco, Pedro Alcântara, Antônio Callado, e nas vozes de Cadete, Vicente Celestino, Mário Pinheiro, Eduardo das Neves, entre outros. Neste sentido, os seus trabalhos conseguiam ser divulgados e ele adquiria bastante popularidade e fama.

No dia 10 de maio de 1946, aos 83 anos de idade, o célebre poeta popular, violinista, compositor, teatrólogo e cantor Catullo da Paixão Cearense veio falecer no Rio de Janeiro. O ilustre nordestino, contudo, já tinha se tornado em vida um imortal. Pelo menos através de sua música Luar do sertão, que todos os brasileiros continuam cantando em noites de luar:

Oh, que saudade
do luar da minha terra
lá na serra
branquejando folhas secas
pelo chão!
Este luar, cá da cidade
tão escuro,
Não tem aquela saudade
do luar
lá do sertão.

Estribilho
Não há

oh gente,
oh não,
luar
como esse
do sertão. (bis)

Se a lua nasce
por detrás da verde mata,
mais parece
um sol de prata
prateando a solidão!
E a gente pega na viola
que ponteia
e a canção
é a lua cheia
a nos nascer
do coração! ...


Fontes consultadas:

CATULLO da Paixão Cearense (foto). Disponível em:

MEDIA Player (audio). Disponível em:

SARAIVA, Gumercindo. Antologia da canção brasileira. São Paulo: Saraiva, 1963.

CASTRO ALVES

CASTRO ALVES

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

No dia 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, situada no povoado de Curralinho, na Bahia, nascia Antônio de Castro Alves. Seus pais eram o médico Antônio José Alves e Clélia Brasília da Silva Castro. O apelido daquele menino era Cecéu.

A família Alves residiu naquela fazenda somente alguns anos. Em seguida, todos se mudaram para a cidade de Salvador, inicialmente para a rua do Passo, número 47 e, depois, para a chácara da Boa Vista. Esta última marcaria Cecéu para sempre com a lembrança de um tronco e de uma senzala, assim como pelo sentimento de orfandade: Antônio perdia a mãe aos 12 anos de idade. Com a morte de Clélia, a família Alves se mudava para a casa número 18, no Pelourinho.

Através de uma propaganda do Colégio Baiano, escola em que o adolescente freqüentava, o nome Antônio de Castro Alves já começava a aparecer na imprensa. Em determinada ocasião, ao visitar aquele Colégio, o imperador D. Pedro II ficaria encantado com o poeta-mirim: este, além de cumprir o programa escolar, também criava versos infantis e traduzia as obras de seu autor predileto, o escritor francês Victor Hugo.

Entretanto, somente a partir de 1860, a conhecida produção literária de Castro Alves teria início. Apesar de, em casa, o Dr. Alves lhe repreender por aquela entrega aos exercícios rimados de decassílabos, Cecéu nunca mais deixaria de versejar: havia nascido para isto!

O adolescente possuía, também, o hábito da leitura, e enveredava pelas obras dos principais poetas e escritores clássicos, tais como Camões, Bocage, Virgílio, Dante, Lamartini, Byron e Musset.

Aos 15 anos, juntamente com seu irmão, Antônio vinha morar no
Convento de São Francisco, no Recife, e, em seguida, mudava-se para uma casa às margens do rio Capibaribe. O rapaz se tornaria um assíduo colaborador dos jornais O Futuro e o Jornal do Recife e um dos fundadores e principais responsáveis do jornal A Luz.

O poeta era alto, forte, esbelto, sensual, elegante e vaidoso. Saía de casa vestido de preto, colocava óleo nos cabelos, pó de arroz no rosto e dizia, então, na frente de um espelho: "Tremei, pais de família! Don Juan vai sair."

Ainda adolescente, ele abandonaria a república de estudantes para ir viver com Idalina - a Bárbara da sua poesia Os Anjos da Meia-Noite - em uma casa alugada na rua do Lima, próxima ao atual
Cemitério de Santo Amaro.

Esse idílio, contudo, teve a duração de um ano, apenas. Isto porque o poeta, um freqüentador assíduo do Teatro de Santa Isabel, conheceria Eugênia Infante da Câmara, uma bela e bem sucedida atriz portuguesa, e, por ela, cairia perdidamente de amores.

Cabe salientar que, com a idade de 16 anos, imberbe e apaixonado, o poeta jamais levaria em consideração alguns fatores que poderiam pesar contra tal escolha: sua musa era dez anos mais velha que ele, tinha se casado antes (com o ator Luís Cândido Furtado Coelho) e possuía uma filha. Além disso, tendo se separado do marido, era a amante de um rico português chamado Veríssimo Chaves.

Do ponto de vista de Castro Alves, Eugênia era, além de bonita, uma mulher experiente e possuidora de uma mentalidade muito aberta. E, para a atriz, representar a fonte de paixão de um jovem poeta, charmoso e genial, era algo que ela gostava.

Nesse período, inspirado no amor sentido pela atriz, o poeta escreveria Meu segredo:

[...] Mas que louco sonhar...Ó minha amante,
Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Que nem sequer de amor uma palavra
Dos meus lábios em fogo inda escutaste,
Perdoa este sonhar vertiginoso!
Foi um sonho do peito deliroso!
....Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia,
Que tresnoita cismando em tuas graças.
Que por ti, só por ti, é que vivia,
Que tremia ao roçar de teu vestido,
E que por ti de amor era perdido..
Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d’alma o seu segredo.


Em 1864, Castro Alves entraria na
Faculdade de Direito do Recife. Combatendo fortemente a escravidão, ele sonhava com a libertação da raça negra, tendo como mentor, do ponto de vista intelectual, o grande estadista americano Abraham Lincoln, o presidente que, em 1863, aboliria a escravatura nos Estados Unidos.

Eugênia da Câmara, enquanto isso, a primeira atriz da Companhia de Duarte Coimbra, continuaria sendo a maior fonte do seu amor. E o poeta, com um sorriso nos lábios, com um verso ou um convite para fugirem, sempre estaria na platéia a cortejá-la.

Quem poderia resistir ao maior poeta do Brasil?

A fim de ser amada pelo adolescente, a atriz terminaria concordando em sacrificar a carreira. E o casal iria morar no Barro, perto da localidade de Tijipió. Nesse período, além de inúmeros poemas, o poeta também escreveria o drama intitulado Gonzaga ou A Revolução de Minas, o qual foi encenado pela primeira vez no dia 7 de setembro de 1867.

Vale a pena ressaltar que, apesar de todos reconhecerem a excelência da produção poética de Castro Alves, esse métier não lhe rendia dinheiro: ele sobrevivia às expensas de uma mesada de 80 a 100 mil réis, que a família mensalmente lhe enviava.

Ainda em 1867, o poeta abandonava o curso de Direito, embarcando com Eugênia para Salvador. Nesta cidade, mesmo tendo sido muito bem recebido por parentes e amigos, o jovem não quis se hospedar com Eugênia na casa da família, já que vivia com ela uma situação bem pouco ortodoxa para a época: foi morar com a atriz no Hotel Figueiredo, situado no antigo largo do Teatro, hoje chamado de Praça Castro Alves.

Mas, os rumores da vida privada do casal se espalhariam pelas vias públicas, dando margem à seguinte indagação: aonde já se viu um rapaz de boa família, aos 20 anos de idade, ter como amante uma atriz cômica de 30 anos, já separada do marido e mãe de uma filha?

O estudante-poeta-dramaturgo e a atriz, contudo, não dariam qualquer importância aos boatos que corriam a seu respeito: eles viajariam para São Paulo no ano seguinte. Nesta cidade, devido às cartas enviadas por
José de Alencar e Machado de Assis o casal foi muito bem recebido. Eugênia Câmara, em particular, já figurava no elenco do Teatro São José, brilhando em todos os espetáculos.

Castro Alves tinha se matriculado no 3º ano jurídico, mas continuava mais preocupado com poemas e teatro do que com a formação universitária propriamente dita. Por onde passava, Castro Alves era recebido como um verdadeiro herói, recebendo convites constantes para participar de saraus literários e musicais, patrocinados pelo Arquivo Jurídico de São Paulo, bem como de manifestações políticas. Na faculdade, por sua vez, ele era colega de
Rui Barbosa.

Quanto ao teor da produção literária do poeta, este podia ser tanto brando e suave, cantando, como ninguém, a beleza das mulheres, quanto ser duro como um diamante, levantando as multidões, destemido, através do seu grito contra a dominação dos negros escravos, contra o tronco, o pelourinho e os horrores da senzala. Neste sentido, os jovens paulistas receberam Castro Alves apoteoticamente como símbolo da República, do Abolicionismo e da Democracia. No dia 11 de junho de 1868, o poeta declamaria Vozes d’Africa, contendo 114 versos, um de seus mais exaltados, harmoniosos e belos trabalhos:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrelas tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
...Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!...

Pouco depois, produziria A mãe do cativo:

Ó Mãe do cativo! Que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

Escreveria, ainda, o célebre poema intitulado O Navio Negreiro:

[...] Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura...se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! Pro que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
...Ontem a Serra Leoa,
a guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão..
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...


Por causa do grande ciúme sentido por ambas as partes, o casal viveria uma relação intensa e atribulada. E, em novembro de 1868, Eugênia abandonaria o poeta, deixando-o prostrado e sem entusiasmo.

Como se isso não fosse o bastante, certa manhã, enquanto Castro Alves carregava uma espingarda (ia caçar perdizes) ocorreria um acidente ao pular um córrego: tentando se firmar na ribanceira, ele detonaria a carga de chumbo da arma contra o seu próprio calcanhar esquerdo.

Alguns meses após o acidente, a ferida do pé continuava aberta e a saúde do poeta piorava a cada dia, surgindo novas complicações: febres constantes, hemorragias, perda de muito peso e, por fim, a tuberculose, inclusive.

Sem outra alternativa, Castro Alves amputava o pé na altura do tornozelo. A cirurgia teve que ser realizada sem anestesia, uma vez que o poeta estava tão fraco que não resistiria ao clorofórmio, o único anestésico disponível na época.

O seu médico particular, um competente veterano da Guerra do Paraguai, garantindo a cura para o ferimento assim lhe falou: "São só dois minutos, meu filho. Coragem!" E o poeta, sabendo que a operação seria realizada a sangue frio, ainda conseguiu elaborar um gracejo: "Corte-o, corte-o doutor. Ficarei com menos matéria que o resto da humanidade." Ao término do ato cirúrgico, o cirurgião contaria trinta e seis grãos de chumbo encravados no pé de Castro Alves.

Durante os meses de convalescença, já separado de Eugênia, o poeta ficava recolhido na casa de um amigo. E a atriz, por sua vez, numa tentativa de reabilitar a sua carreira artística, casava-se com o maestro Antônio de Assis Osternold.

Nessa época, Castro Alves produziria vários desenhos e telas a óleo, e ainda teria um encontro de amor com Eugênia. Tristonho, ele evitava sair às ruas: simplesmente não queria que ninguém lhe visse andando de muletas ou de cadeirinha.

Aconselharam-no a viajar ao sertão da Bahia, para respirar o ar puro do interior e tentar melhorar a sua capacidade respiratória, já abalada devido à presença da tuberculose. Sendo assim, o poeta seguia para uma antiga fazenda dos seus parentes maternos.

Nesse período, Castro Alves produziria os poemas Aves de Arribação e As Duas Flores. Mas o poeta, que tanto amava declamar em público, já não tinha mais condições para fazê-lo, uma vez que estava com o pulmão comprometido e a voz rouca. A despeito do fato de não haver piorado, os ares do sertão não puderam fazer o milagre esperado.

Em todos os momentos de sua vida, Castro Alves sempre encontraria o mesmo remédio para os seus males e a sua solidão: o amor! Ainda que manco e doente, continuava a ser o Don Juan de outrora. Superada a dolorosa separação de Eugênia, ele viria a adquirir novas musas inspiradoras, passando a se entusiasmar por outras mulheres, dentre as quais Leonídia Fraga, a companheira das quietas tardes no sertão. A Leonídia, o poeta dedicava, pelo menos, quatro de suas poesias.

Em vida, no que diz respeito à edição de suas obras, Castro Alves publicaria apenas uma coletânea de poemas líricos e Espumas Flutuantes, seu único livro impresso. Um segundo livro intitulado - Os Escravos - só sairia postumamente.

A grande e última musa do poeta foi a soprano italiana Agnese Trinci Murri. Primeiro, o poeta enamorou-se de sua voz e, em seguida, se apaixonaria pela própria cantora. Porém, Agnese jamais se renderia aos sentimentos de Castro Alves, ou às poesias e cartas de amor que ele lhe escreveu: sempre resistia ao relacionamento amoroso entre ambos.

E a saúde do poeta piorava cada vez mais. No dia 29 de junho de 1869, quando ele já se encontrava acamado, Agnese pediria para vê-lo uma última vez. E Castro Alves assim falou para Adelaide, uma das irmãs que cuidava dele: Não! Não a deixe entrar... Ela, mais do que ninguém, não deve guardar de mim uma lembrança de ruína. Que me recorde como sempre me viu, como me conheceu... Não! Não a deixe entrar.

Entre um acesso e outro de tosse, o incansável abolicionista implorava ao Senhor: Dai-me, meu Deus, mais dois anos para escrever tudo o que tenho na cabeça!...

Castro Alves, o grande poeta dos escravos, viria a falecer na tarde do dia 6 de julho de 1869, com apenas 24 anos de idade. Desde a morte, no entanto, a sua popularidade só tem feito aumentar.

Em 1896, quando a Academia Brasileira de Letras (ABL) foi fundada, deram o seu nome à Cadeira nº 7 e colocaram, na porta de entrada, um medalhão contendo o belo rosto do poeta.

Os seus trabalhos influenciaram os cordelistas e a literatura popular do Nordeste; vários dos seus poemas, tais como O Adeus de Teresa, Boa-Noite, Adormecida, Sonhos de Boêmia e Pensamento de Amor, hoje encontram-se musicados; e o seu livro, Espumas Flutuantes, já obteve mais de 125 edições.

Com o nome Castro Alves existem, hoje, vários monumentos, escolas, praças, parques e ruas em todo o Brasil. O grande poeta seria, ainda, em vários carnavais, o tema inspirador de sambas-enredos e desfiles de escolas.

A antiga fazenda Cabaceiras onde Cecéu nasceu, situada no município de Cabaceiras do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, transformou-se no atual Parque Histórico Castro Alves, que recebe muitos visitantes de todos os Estados brasileiros e do exterior.

Por fim, em 1947, o ano do centenário de nascimento do poeta, transferiram os seus restos mortais para um nicho existente no pé de sua estátua, na famosa praça Castro Alves, em Salvador.


Fontes consultadas:

ALMEIDA, Norlandio Meirelles de. Cronologia de Castro Alves. São Paulo: Editora Pedro II, 1960.

AMADO, Jorge. A.B.C. de Castro Alves. 26. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.

CALMON, Pedro. Castro Alves: o homem e a obra. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1973.

CASTRO Alves, poesias: edição comemorativa dos 150 anos de nascimento de Antônio de Castro Alves. Rio de Janeiro: Odebrecht; São Paulo: Nova Terra Comunicações; Brasília, DF: Fundação Banco do Brasil, 1997.

MASCARENHAS, Maria da Graça. Castro Alves, biografia: edição comemorativa dos 150 anos de nascimento de Antônio de Castro Alves. Rio de Janeiro: Odebrecht; São Paulo: Nova Terra Comunicações; Brasília, DF: Fundação Banco do Brasil, 1997.

MATOS, Edilene. Castro Alves no folheto de cordel. [s.n.t.]

CAPELA DOURADA

CAPELA DOURADA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


O surgimento da Venerável Ordem Terceira de São Francisco das Chagas data do século XVI. Os Irmãos Terceiros eram mascates, em sua grande maioria, e alguns deles bastante abastados, como Antônio Fernandes de Matos. Naquele período, os franciscanos iniciaram a construção da Capela dos Noviços da Ordem Terceira do Recife.

Tudo indica que o autor de nove dos grandes painéis do templo, que representam os santos da Ordem Terceira, além de oito painéis menores, parece ter sido o famoso pintor José Pinhão de Matos.

Recebendo acréscimos aos poucos, a antiga capela obteve a contribuição de artistas famosos e se transformou no maior símbolo da arte sacra barroca: a atual Capela Dourada da Ordem Terceira de São Francisco do Recife.

Os trabalhos empreendidos no altar-mor, nos seis altares, nas portas, no púlpito, nas duas cornijas do interior, no forro e no emulduramento das pinturas, são de estilo barroco, muito em voga em Portugal e no Brasil no século XVII.

Por sua vez, a alcunha de dourada deve-se ao fato de, cada centímetro do seu interior, se encontrar revestido por magníficas talhas de cedro, cobertas por finas lâminas de ouro de 22 quilates. O templo foi construído no ápice do poderio econômico de três elementos tradicionais da Região Nordeste: os senhores de engenho, os representantes da nobreza e as ricas irmandades.

Datada do século XVIII, a Capela está situada na rua do Imperador Pedro II, no bairro de Santo Antônio, bem perto da Praça da República. A sua beleza, por sua vez, vem atraindo muitos visitantes brasileiros e estrangeiros ao Recife, entre eles historiadores e pintores.

Uma série de artistas importantes, a maior parte originária do Estado de Pernambuco, trabalhou no templo. Dentre eles estão João Vital Correia (em 1864), que foi o responsável pelos frontais de madeira e pintura da Capela dos Noviços; Manuel de Jesus Pinto (em 1799), que empreendeu a douração da capela e do arco de fora; e José Ribeiro de Vasconcelos (entre 1759 e 1761) que pintou dois painéis e dois caixilhos para os santos.

Além disso, os serviços do mestre Luís Machado foram contratados para a edificação do arco da capela-mor, do cruzeiro, do grande arco para o convento, e dos móveis da sacristia, tudo isso em jacarandá.

O mestre português Antônio Martins Santiago, por outro lado, foi contratado para a confecção da talha da capela-mor, com dois nichos para as imagens de São Cosme e São Damião (existentes no antigo altar do convento, no século XVII), bem como de mais um sacrário e um frontal, entre outros elementos. Nos altares laterais, é possível se apreciar um painel retratando os Mártires do Marrocos, São Cosme e Santa Isabel, e a imagem do Cristo Atado (com incrustações em rubi).
Segundo a opinião de especialistas, cabe registrar que a disposição do púlpito e os motivos das talhas se assemelham aos existentes na Igreja de Santo Antônio de Faro, situada na região do Algarve, ao sul de Portugal.

A Capela Dourada encontra-se bem ornamentada, possuindo um interior bem conservado, em grande estilo barroco-rococó. O seu altar-mor se apresenta todo construído em talhas douradas, contendo belas imagens, como a do Cristo Crucificado; o seu forro é revestido por pinturas artísticas, em caixotões. No altar-mor observa-se um retábulo em arco cruzeiro e colunas salomônicas, entrelaçados por folhas de parreiras. Foi executado por Antônio Martins Santiago, em 1698.

Uma bela seqüência de flores e frutos que se torcem sobem as pilastras dos altares, ocupando os triângulos do dorso externo dos arcos. Ao longo do emulduramento das portas, as formas sugerem girassóis. Uma grande flor muito estilizada encontra-se nos painéis do púlpito.

Nas paredes laterais, pode-se observar dois longos painéis: no primeiro, os mártires franciscanos sendo presos e, no segundo, eles sendo crucificados. Além desses quadros, porém, existem outras telas, emolduradas em talhas douradas, que merecem ser apreciadas. Há duas fileiras de assentos, inclusive, que foram produzidos e trabalhados em jacarandá.

O claustro do convento está dividido em duas partes distintas, sendo a inferior a de maior riqueza artística, comportando arcos romanos, um piso original, e uma bonita capela, contendo uma porta torneada, que faz rememorar a austeridade da clausura franciscana.

Nas paredes claustrais, encontram-se 27 quadros de azulejos que mostram vários episódios do Gênese, a criação do mundo. Esses azulejos, que foram trazidos de Lisboa e afixados no ano de 1704, formam uma barra ao longo da parte baixa do interior do templo. São assinados por Antônio Pereira.

A Capela Dourada apresenta, ainda, dezenas de painéis de diverso (a)s santo (a)s: São Pedro, São Jerônimo, Santa Joana de Cruz, Santa Adriana, São Luís, Santa Margarida de Cortona, Santa Lusia Danúrcia, Santa Veridiana, São Torrelo, São Ricardo, entre outros. Também foram retratados em painéis a Fé, a Esperança, a Caridade e a Constância.

Na sacristia, está presente todo um mobiliário (cômodas e repositórios) em jacarandá, feito em 1762, além de uma mesa de mármore e de um lavabo que foram importados da cidade portuguesa de Estremoz.


Fontes consultadas:

BARBOSA, Antônio. Relíquias de Pernambuco: guia aos monumentos históricos de Olinda e Recife. São Paulo: Fundo Educativo Brasileiro, 1983.

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

SILVA, Leonardo Dantas. Pernambuco preservado: histórico dos bens tombados no Estado de Pernambuco. Recife: Ed. do Autor, 2002.

CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO (JAQUEIRA), Recife,PE

CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO (Jaqueira, Recife)
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

Também chamada de Capelinha da Jaqueira, a capela de Nossa Senhora da Conceição fica situada próximo à Ponte D'Uchôa, no atual Parque da Jaqueira. Ela era a capela do solar de Bento José da Costa. E, como naquele terreno existiam muitas jaqueiras, o local ficou sendo chamado de Sítio das Jaqueiras.

A capelinha, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, remonta ao início do século XVIII, época em que o proprietário daquelas terras era o capitão Henrique Martins. Antes dele, o terreno pertencera ao antigo senhor do engenho da
Torre, Antônio Borges Uchôa, o mesmo que construiu uma ponte sobre o rio Capibaribe, a chamada Ponte D'Uchôa, ligando o seu engenho àquelas terras.

Henrique Martins e a esposa eram grandes devotos da Virgem da Conceição. Há registros de que, em certa ocasião, ele foi acometido por uma crise de erisipela e recorreu à sua padroeira, para que lhe devolvesse a saúde. Tendo o capitão se restabelecido, ele e a esposa manifestaram gratidão depositando um
ex-voto junto à milagrosa: uma gravura onde se vê Henrique Martins deitado, coberto por uma colcha de ramagens vermelhas e azuis, com a esposa e o médico à sua volta e, na cabeceira, uma visão da Virgem.

Além disso, no dia 8 de janeiro de 1766, o casal doou um terno (moenda de engenho de açúcar) avaliado em vinte mil réis, para que fosse levantada uma capelinha para a Virgem. Dessa maneira, como o local era chamado de Sítio das Jaqueiras, a capela ficou conhecida pela população como Capela da Jaqueira, nome que conserva até hoje.

Em 1782, os bens do capitão Henrique - incluindo o Sítio das Jaqueiras -, foram leiloados, por causa do seu envolvimento em um processo de desfalque. O Sítio foi arrematado por Domingos Afonso Ferreira, mas, no século XIX, já pertencia ao português Bento José da Costa, o homem mais abastado do Recife.

Registra a história que Domingos Afonso Ferreira se apaixonou por Maria Teodora, filha de Bento José da Costa e que, a este comerciante, pediu a mão da filha em casamento. Domingos Afonso teve seu pedido negado, uma vez que, naquela época, a escolha do futuro genro dependia, tão-somente, da preferência do pai da pretendida.

No entanto, após a revolução de 1817, Domingos Afonso Ferreira, como herói da revolução e vencedor, impôs a sua escolha e, em uma grande festa, casou-se com Maria Teodora na Capela da Jaqueira.

Bento José da Costa, por sua vez, além de comerciante era, ainda, coronel de milícias e comandante de um corpo de guarnição do Recife. Era muito amigo, inclusive, do último administrador português de Pernambuco: o capitão-general Luís do Rêgo Barreto. Juntamente com esse governador, como membro da Junta Constitucional Governativa, Bento compôs o Governo da Capitania em 1821.

Os restos mortais do comerciante estão enterrados por baixo do altar-mor da Capela, onde, em grandes letras, pode-se ler:

Aqui jaz o coronel
BENTO JOSÉ DA COSTA
Falecido em 10 de fevereiro
de
1834
na edade de 75 anos
a cuja memória dedicão este monumento
sua saudoza esposa e seus onze filhos.

Os herdeiros de Bento José, sem o menor cuidado pela propriedade herdada, deixaram que as jaqueiras centenárias fossem derrubadas, e que o Sítio das Jaqueiras se transformasse em um campo de futebol. Quando este foi fechado, a terra foi loteada, e a Capela da Jaqueira permaneceu abandonada em meio a um grande matagal.

Ela só não foi totalmente destruída, devido à intervenção, em 1944, do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Na ocasião, o templo foi restaurado e construíram, em sua volta, um belo parque: o da Jaqueira.

Sob a gestão do prefeito José do Rego Maciel, o famoso paisagista Roberto Burle-Marx projetou o ajardinamento da localidade. Vale registrar que, mesmo depois de tombada pelo IPHAN, a Capela foi saqueada em 1951 e vários de seus pertences foram roubados: dois armários em jacarandá trabalhado (da sacristia), e algumas portas e janelas.

A Capela da Jaqueira é uma construção barroca. O seu interior é decorado com azulejos raros, do mesmo estilo dos azulejos dos conventos carmelitas e franciscanos. Podem ser apreciados alguns notáveis painéis sacros, de traçados e cores fortes, que o tempo não conseguiu apagar. Os forros da capela-mor (evocando a Anunciação), do coro (focalizando o casal Nossa Senhora e São José) e da nave (a efígie da Padroeira) possuem pinturas significativas do final do século XVIII.

É possível observar, também, dois grandes retratos a óleo, sobre madeira, representando Santo Antônio e São Henrique, bem como São João Batista e São Filipe Nery. O altar do templo é barroco, embora apresente alguns motivos em estilo rococó. Existe um manuscrito na capela-mor, datado de 13 de novembro de 1781, que contém a tradução de um Breve de Indulgência do Papa Pio VI.

Na sacristia encontra-se uma relíquia: um lavatório de pedra, com uma torneira longa, feita em bronze, uma obra do século XVIII. As imagens do templo - aquelas que escaparam ao furto e à depredação - estão guardadas na Igreja de São José do Manguinho.

É importante salientar que as telhas da Capela, suas madeiras, fechaduras, aldrabas, ferrolhos, dobradiças, entre outros objetos que foram confeccionados em ferro e bronze, são originais de sua construção e datados de 1766. E que, até os anos 1960, o parque existente em volta da capela era todo iluminado por lampiões, pendurados em postes ingleses.


Fontes consultadas:

FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. 2. ed. rev. e ampl. Recife: Fundação Guararapes, 1970.