quarta-feira, 20 de maio de 2009

TAPIOCA

TAPIOCA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



A mandioca (Manihot esculenta) é uma planta produtora de amido, da família das euforbiáceas, originária da Guiana Brasileira (norte do Amazonas e do Pará), do sul das três Guianas (a Britânica, a Holandesa e a Francesa) e, ainda, do sul da Bahia e nordeste de Minas Gerais. Foram os índios tupis-guaranis, que ocupavam o litoral nordestino brasileiro, os responsáveis pela difusão do uso comestível da mandioca, que, produzida através da agricultura de subsistência, representava sua base de alimentação, na época do descobrimento (mediante a fabricação dos beijus e do cauim, uma bebida muito popular entre os nativos). Em Olinda, a farinha de mandioca é consumida desde o século XVI, com a invenção portuguesa das casas de farinha.

Existem dois tipos de mandioca: a doce, mais conhecida como aipim, macaxeira ou mandioca mansa; e a amarga, chamada mandioca brava. Ambas são idênticas na aparência: apresentam uma casca parda e uma massa branca que contém um suco acre e leitoso. Este líquido, por conter uma elevada proporção de ácido cianídrico, é venenoso na mandioca brava. Entretanto, através de um processo que envolve a cocção, a planta perde toda a sua toxidade, convertendo-se em farinha ou polvilho.

Largamente utilizada na alimentação, a mandioca possui um alto valor energético e, ao mesmo tempo, um baixo teor de proteína. Por sua vez, acompanhada da carne-seca, a farinha de mandioca era o principal elemento da alimentação dos escravos africanos. Por essa razão, os senhores de engenho e os lavradores de cana, por meio de alvarás e provisões régias (datadas de 1642, 1680 e 1690) foram obrigados a cultivar o tubérculo. Decretos posteriores vieram ressaltar essa obrigação, quando daqueles exigiu-se o plantio de, pelo menos, quinhentas covas por escravo.

Ao longo do tempo, junto com o açúcar e o coco, a mandioca foi incorporada ao rol dos elementos importantes da indústria de confeitaria e da culinária brasileira. Com ela, são preparadas saborosas receitas de biscoitos, bolos, roscas, sequilhos, mingaus, pães, entre outras comidas deliciosas. E, desde o século XVII, ela tem representado um alimento significativo na mesa de nordestinos e nortistas, sendo muito utilizada na culinária junina. A mandioca - que representa o verdadeiro pão do Brasil - só não é cultivada em terras demasiado argilosas, em trechos montanhosos secos, em terrenos cheios de pedras, muito íngremes, e em baixadas com excesso de umidade.

Faz-se necessário esclarecer como se chega à goma da mandioca. O processo de extração desse elemento é bem simples. Primeiro, a raiz (previamente descascada) é ralada e espremida, dela extraindo-se um líquido leitoso. Em seguida, esse líquido é colocado para descansar em um recipiente. No fundo dele, após algumas horas, vai se depositar uma espécie de massa, que se separa da água, por completo: essa massa é a goma da mandioca. Deve-se, então, escorrer a água e colocá-la ao sol para secar. Quando ela estiver seca, deve-se esfarelá-la com as mãos e passá-la em uma peneira, para que se transforme em um pó branco e fino.

E como é que, da goma, se faz a tapioca?

A tapioca representa uma iguaria típicamente brasileira, de origem indígena, feita com o amido extraído da mandioca, conhecido como goma. Em outras palavras, originalmente, é uma espécie de beiju que possui, em seu interior, uma camada de coco ralado.

Para elaborar a tapioca, deixe aquecer bastante, em fogo brando, uma chapa de metal anti-aderente, redonda, com cerca de vinte centímetros de diâmetro, e espalhe uma camada fina de goma de mandioca sobre ela (o suficiente para cobrir o fundo da chapa) com uma pitada de sal. Com as costas de uma colher, espalhe a goma e cubra o fundo do recipiente de maneira uniforme. À medida que a chapa vai aquecendo, esse pó se aglutina, toma a forma de uma panqueca ou um crepe, e suas bordas se desprendem do fundo. Asse a tapioca por um ou dois minutos, vire-a com uma espátula e deixe-a assando por mais alguns segundos. Ainda na chapa, recheie a tapioca com coco fresco ralado ou um pedaço de queijo de coalho, dobre-a ao meio, aperte bem para transformá-la em um semicírculo (uma meia lua), coloque manteiga de garrafa sobre ela (opcional) e sirva quente.

Em alguns pontos turísticos como o Alto da Sé, na cidade de Olinda, em Pernambuco, pode-se degustar uma saborosa tapioca, feita na hora, produto que é considerado um patrimônio imaterial cultural da região. Na Sé, essa tradição teve início com uma senhora chamada dona Conceição, na década de 1970, que, para se sustentar, tornou-se tapioqueira. Nessa época, em plena ditadura militar, o local era considerado um dos pontos de agitação da contracultura, e Olinda representava o foco da resistência cultural. As tapiocas eram vendidas a estudantes, intelectuais, políticos e artistas populares e eruditos, que lá promoviam concertos e teatro de vanguarda. Com o crescimento do turismo em Olinda, atraído principalmente pelo carnaval, as tapioqueiras se multiplicaram, na cidade que é patrimônio cultural da humanidade. Hoje, elas estão até organizadas em uma Associação.

Uma das comidas típicas em Pernambuco é a tapioca molhada. De acordo com receita coletada pelo sociólogo Gilberto Freyre, tira-se o leite de um coco (com água), adiciona-se açúcar e sal (a gosto) e derrama-se esse líquido, aos poucos, sobre as tapiocas (recheadas com coco ralado), molhando-as bem. Em seguida, elas são colocadas em camadas, polvilhadas com canela, abafadas e servidas quente.

Nos restaurantes, há alguns anos, a tapioca vem atraindo a atenção de chefs de cozinha, que decidiram transformá-la em atração. Desse modo, no cruzamento de criatividades e habilidades, eles inventaram diversas receitas e recheios e reinventaram a própria tapioca. No presente, ela é um sucesso na culinária brasileira e faz parte do rol das especiarias regionais.

Os variados recheios, hoje oferecidos, dão um toque realmente especial à tapioca. Em se tratando dos doces, ou doces e salgados, é possível degustá-la, ainda, com os seguintes recheios, além do tradicional coco ralado: queijo e goaiabada, leite condensado, goiabada, morango, mel, chocolate, doce de leite, brigadeiro, doce de banana, banana com mel, banana com canela, banana com chocolate, calda de uva, goiabada com mussarela, morango com chocolate, chocolate com mussarela, queijo coalho com banana frita e canela, queijo fresco com calda de uva, banana com leite condensado e canela, leite condensado com maracujá.

Em relação aos recheios salgados, pode-se comer tapiocas com: manteiga e sal; mussarela; mussarela e catupiry; mussarela, catupiry e provolone; mussarela e chedar; mussarela e catupiry; provolone e chedar; parmesão, presunto e mussarela; presunto e provolone; presunto e catupiry; presunto, mussarela e catupiry; frango; frango e catupiry; frango e chedar; frango, mussarela e catupiry; salame e catupiry; salame e provolone; queijo fresco, queijo coalho, peito de peru e chedar; queijo fresco, peito de peru e tomate; camarão; amendoim; castanha; charque; carne de sol; entre tantas outras combinações gostosas.

De alimento básico dos índios, de tímido beiju seco feito com goma, a tapioca se transformou em deliciosa iguaria folclórica. É bastante lembrar que, no presente, existem alguns pontos comerciais na Região Sudeste voltados, apenas, para a venda dessa comida típica, e que oferecem, aos clientes, a oportunidade de provarem tapiocas com mais de cinqüenta tipos de recheios.

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