O milho – uma planta da família Gramineae – é originário da América Central há cerca de 7.000 anos. Sua denominação - zea mays - advém da palavra grega zeia, que significa grão, cereal, é também uma homenagem aos Maias, um dos povos importantes da América. Os Astecas e os incas, outros povos antigos como os Maias, não só se alimentavam com o milho, mas, possuíam uma relação de cunho religioso com ele. A tradição alimentar do milho, portanto, representa uma das raízes de nosso passado indígena.
No mundo pré-hispânico, aquele cereal era o sustento básico do corpo e do espírito. Sua importância era tamanha que ele figurava no panteão dos deuses astecas: representava o emblema da deusa dos cereais (Centeotl); e, o poderoso deus da chuva, do trovão e do raio (Tlaloc), carregava sempre uma haste de milho na mão.
Até 1492 (data do Descobrimento da América), os europeus desconheciam esse cereal, consumindo, basicamente, arroz e trigo. Porém, em 1493, Cristóvão Colombo trouxe consigo algumas sementes de milho, e causou uma grande sensação entre os botânicos da Península Ibérica. Os portugueses levaram-no, também, para a África e a Ásia. A planta recebeu várias denominações, de acordo com a língua falada nos países, sendo chamada de choclo, corn, jojoto, mais, maize, elote e granone.
No Brasil-Colônia, os escravos africanos se alimentavam do milho e, também, da mandioca. Eles comiam o primeiro cozido na espiga e, ainda, o mungunzá (grãos cozinhados em água, leite de coco e açúcar). Obtinha-se o xerém – hoje, um prato típico da culinária nordestina – quebrando-se o milho em pedaços bem pequeninos, no pilão grande ou monjolo. Comia-se o xerém, cozido na água e sal, com carnes secas (carne de sol ou charque) ou lingüiças. O xerém também era preparado como sobremesa, cozido na água e sal, com leite de coco e açúcar; e, depois de frio, polvilhado com canela em pó.
Nas províncias meridionais e centrais de Angola, a farinha de milho era chamada fubá (denominação da farinha em quimbundo); e, o pirão de milho, angu. Em alguns Estados brasileiros – na Bahia, em particular – o milho é passado na “pedra de ralar”, e transformado em uma massa com a qual se prepara o acaçá e o aberém, quitutes utilizados em terreiros de candomblé.
Rico em carboidratos, o milho é um alimento energético, muito versátil, fonte de óleo, fibras e vitaminas E, B1 e B2, e pode gerar mais de seiscentos subprodutos. Sua maior utilização, porém, é na alimentação animal – avicultura e suinocultura – que consome cerca de 70% da produção mundial do cereal. E, devido à excelente qualidade, o óleo do milho é usado nas indústrias farmacêutica, cosmética, alimentícia e veterinária.
Existem várias lendas indígenas sobre a origem do milho. Segundo Clemente Brandengurger citado por Cascudo (1954), os índios parecis contam o seguinte:
Um grande chefe indígena, sentindo que ia morrer, chamou o seu filho, Kaleitôe, e ordenou-lhe que o enterrasse no meio da roça, logo que falecesse. Avisou, também, que, após três dias da inumação, brotaria uma planta de sua sepultura, e ela daria muitas sementes. O chefe pediu-lhe que não as comesse: deveria guardar as sementes para replantar. E, caso atendesse ao seu pedido, todos os índios ganhariam um recurso muito precioso. Kaleitôe seguiu o conselho do pai e foi, assim, que o milho apareceu entre eles.
Há uma outra versão dessa lenda, contada pelos indígenas, segundo Pe. Carlos Teschauer citado por Cascudo, 1954:
A lenda guarani da origem do milho (zea mays) também envolve o sacrifício humano. Dois guerreiros procuravam inutilmente caça e pesca e desanimavam de encontrar alimento para a família, quando apareceu um enviado de Nhandeiara (o grande espírito) dizendo ser a luta entre os indígenas a solução única. O vencido seria sepultado ali mesmo, e de sua sepultura nasceria uma planta, que alimentaria a todos, dando de comer e beber. Lutaram os dois e sucumbiu Avati. De sua cova nasceu o milho, avati abati, no idioma tupi.
Os guaranis chamam o milho de Avaty, em homenagem ao índio sacrificado, e jamais esquecem que o cereal provém do sacrifício de um amigo muito fiel. A fartura das colheitas, de acordo com os indígenas, garante a sobrevivência dos seres humanos e de muitos animais, significando vida, fertilidade e riqueza. Em tempos pré-colombianos, tudo isso era representado através de templos suntuosos, cidades magníficas, e pelas imagens de vários deuses, que simbolizavam a abundância de bens.
Excetuando-se a mandioca, o complexo etnográfico do milho é o mais vasto e de maior projeção folclórica, em especial na culinária junina. Com o milho (ou seus produtos derivados) é possível se fazer pamonha, canjica, mungunzá, xerém (doce e salgado), pipoca (doce e salgada), cuscuz, além de bolos e tortas, iguarias muito apreciadas no Nordeste brasileiro.
E, no século XX, em se tratando de literatura, José Bento Renato Monteiro Lobato – o maior escritor infantil brasileiro, mais conhecido como Monteiro Lobato – inspirou-se nas lendas indígenas e fez nascer, das mãos da personagem Tia Nastácia, o célebre Visconde de Sabugosa – uma espiga de milho filósofa e cientista, que andava e falava como um ser humano, e sabia de tudo, mais do que todos.
No presente, o milho é consumido em, praticamente, todas as partes do mundo. O grão e a planta têm sido utilizados como matéria-prima para a fabricação de inúmeros produtos, a exemplo de óleos, cremes vegetais, bebidas e etanol. Não é difícil entender, então, os motivos pelos quais os pré-colombianos adoravam o milho. Este cereal, para os povos antigos, não representava, apenas, um alimento e fonte de sobrevivência, mas, uma forma de se relacionar com o mundo e com os espíritos.
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