quarta-feira, 20 de maio de 2009

CIRANDA

CIRANDA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco




Distinta da conhecida dança de roda infantil - ó ciranda, ó cirandinha, vamos todos cirandar... - a ciranda, ora tratada, diz respeito a uma dança de roda de homens e mulheres adultos, onde as crianças podem também participar. Tudo leva a crer que essa dança originou-se em Portugal e estava relacionada à alfaia. O padre Jaime Diniz, um pioneiro no estudo do tema, ressalta que, etimologicamente, a palavra ciranda vem do vocábulo zaranda - um instrumento de peneirar farinha existente na Espanha - e que, por outro lado, esse vocábulo se originou da palavra árabe çarand, cujo significado é o mesmo de zaranda.

A ciranda surgiu no Litoral Norte de Pernambuco (nos municípios de Goiana, Paulista e Igarassu) e na Zona da Mata Norte do Estado (Tracunhaém, Timbaúba e Nazaré da Mata), mas a procura pela dança só aumentou durante as décadas de 1950 a 1970. Antes disso, os trabalhadores rurais, os pescadores e os biscaiteiros preferiam dançar o coco.

As pessoas costumam dançar ciranda à noite, em locais a céu aberto - uma praia, um jardim público ou um quintal - geralmente, nos finais de semana (às sextas-feiras, sábados e domingos). Às vezes, entre os instrumentos musicais empregados, encontram-se ainda a cuíca, o pandeiro, a sanfona, o saxofone, a clarineta e o trombone. E os versos ou quadras das músicas são compostos por frases bastante curtas.

Para iniciar a ciranda as pessoas dão as mãos, começam a dançar - seguindo a marcação imposta pelas fortes batidas do bombo ou do zabumba - e, após algum tempo, fecham a roda. A coreografia da ciranda é bem simples: coloca-se o pé esquerdo em direção ao centro e, fazendo-se uma pequena genuflexão com a perna direita, marca-se o primeiro tempo do compasso. Em seguida, é preciso dar quatro passos para a direita, girando sempre no sentido anti-horário. A onda, o sacudidinho e o machucadinho são os três passos mais conhecidos dessa dança.

A presença de um mestre cirandeiro é muito importante. Comandando a ciranda, ele pode cantar músicas de sua autoria, de autoria de outros mestres, pode cantar composições improvisadas na hora e, até mesmo, adaptar para o ritmo da ciranda certas canções comerciais de domínio público. Tudo se passa como se o mestre fosse a alma da ciranda. Depois que ele canta a estrofe-refrão, os participantes a repetem; e, quando ele canta a segunda estrofe, todos a repetem também. O mestre leva um apito pendurado no pescoço (às vezes, ainda um lenço) e um maracá na mão.

A dança costuma ser interrompida para que as pessoas possam descansar. No entanto, quando o mestre apita, todos voltam à ciranda. Cabe salientar que, após o início da dança, não há obstáculo para entrar na roda: basta soltar as mãos de um par de cirandeiros (sem a preocupação de estar separando os casais) dar a mão a eles e seguir dançando. A roda cresce na medida em que entram novos participantes. Porém, quando ela fica muito grande, é subdividida em dois círculos menores. Por sua vez, quem se sentir cansado, pode sair da roda no momento que desejar.

Em Itamaracá, durante o verão de 1971, a compositora Teca Calazans descobriu o talento de Maria Madalena Correia do Nascimento - apelidada Lia de Itamaracá - a cirandeira mais conhecida no Estado de Pernambuco. A afinidade entre as duas foi tamanha que logo surgiu uma parceria: juntas, elas resgataram canções de domínio público e elaboraram novas composições.

Maria Madalena Correia do Nascimento nasceu em 1944, no seio de uma família humilde. Seus pais tiveram vinte e três filhos, mas só ela se dedicou à música, começando a cantar ciranda aos doze anos de idade. No tocante ao fato, ela declarou:

Não puxei a ninguém: foi dom de Deus e graça de Iemanjá.

Depois de vinte e um anos compondo e animando cirandas, só em 1977 Lia conseguiu gravar o primeiro disco - o LP A Rainha da Ciranda. Em 1998, ao participar do Festival Abril Pro Rock, realizado entre Olinda e Recife, ela se tornou mais conhecida. O segundo trabalho - o CD Eu Sou Lia - saiu no ano 2000. Foi lançado pela Ciranda Records e re-editado pela Rob Digital. A fama de Lia se espalhou muito além dos limites de Itamaracá, quando Antônio Baracho compôs uma música em sua homenagem, que se tornaria a mais divulgada de todas as cirandas. Eis a sua letra:

Eu estava
Na beira da praia
Ouvindo as pancadas
Das águas do mar (Bis)

Esta ciranda
Quem me deu foi Lia
Que mora na ilha
De Itamaracá. (Bis)

A compositora Teca Calazans, por outro lado, utilizou um famoso refrão que havia, adicionou-lhe o segundo verso da música de Antônio Baracho e lançou uma outra música de ciranda de grande sucesso. Sua letra é a seguinte:

Oh! Cirandeiro
Cirandeiro, oh!
A pedra do teu anel
brilha mais do que o sol. (Bis)

Esta ciranda quem me deu foi Lia
que mora na ilha de Itamaracá. (Bis)

Em 2001, Lia de Itamaracá fez várias apresentações em Paris, onde foi redistribuído o CD Eu Sou Lia. Vale registrar que esta ciranda foi gravada, posteriormente, por Paulinho da Viola. A letra da música é apresentada a seguir:

Eu sou Lia da beira do mar
Morena queimada do sal e do sol
Da Ilha de Itamaracá
Quem conhece a Ilha de Itamaracá
Nas noites de lia (sic)
Prateando o mar
Eu me chamo Lia
e vivo por lá
Cirandando a vida na beira do mar
Cirandando a vida na beira do mar
Vejo o firmamento, vejo o mar sem fim
E a natureza ao redor de mim
Me criei cantando
Entre o céu e o mar
Nas praias da Ilha de Itamaracá
Nas praias da Ilha de Itamaracá

Devido à sua voz marcante, Lia foi chamada diva da música negra pelo jornal The New York Times. O jornal francês Le Parisien comparou sua voz à da cabo-verdiana Cesária Évora; e, no Brasil, críticos de música ressaltaram que sua voz era semelhante à de Clementina de Jesus. Apesar da fama que possui, a cirandeira afirma nunca ter recebido dinheiro pelas gravações e/ou apresentações que já fez. Como estas eram poucas, confessa que aceitava ser remunerada mediante caixas de cerveja. Diz, ainda, que sobrevive graças ao trabalho que tem como merendeira, em uma escola pública.

A ciranda, inicialmente uma dança de trabalhadores rurais, biscaiteiros e pescadores, se transformou, com o passar do tempo, em um divertimento de quase todas as camadas sociais. Vários festivais têm sido promovidos pela Empresa Metropolitana de Turismo, e até músicos de formação erudita compuseram partituras de ciranda. Por sua vez, as empresas Rozenblit, RCA, Philips, Odeon, Continental, Victor, CBS, Cactus, Som Livre, entre outras, se encarregaram de gravar as músicas de ciranda.

Para facilitar o acesso dos turistas, a Empresa Pernambucana de Turismo (EMPETUR) passou a contratar mestres cirandeiros, para cantar e comandar as cirandas em vários pontos importantes do Recife, a exemplo do Pátio de São Pedro, da Praça do Terminal da Praia de Boa Viagem, do Pátio do Sítio da Trindade e da Casa da Cultura. Nessas apresentações, onde a participação popular é muito grande, a EMPETUR disponibiliza microfones para os mestres, assim como caixas de som, para que todos possam ouvir bem as músicas de ciranda.

A seguir, registra-se uma ciranda que foi composta por Antônio Néri e gravada, em 1975, na cidade do Recife.

Menina eu sou
Tiririca na ladeira
Tenho a folha cortadeira
E um espinho pra furar. (Bis)

A letra A
É a letra do meu nome
Mulher feia só come
Minha bóia se roubar. (Bis)

Vários mestres cirandeiros, originários da zona canavieira, se destacaram no cenário pernambucano. Entre outros, estão: Antônio Baracho, Zé dos Passos, Manuel Salustiano, José Barbosa da Silva, Siba Veloso, João Limoeiro, André Rio, Evaldo Gouveia e Ciriano. Muitos desses compositores participam, inclusive, de outras danças e espetáculos folclóricos nordestinos, tais como o coco de roda, o maracatu rural e o cavalo-marinho.

Fontes consultadas:

A Lia da ciranda. Disponível em: Acesso em: 4 out. 2007.

BENJAMIN, Roberto. Folguedos e danças de Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1989. (Coleção Recife, LV)

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1954.

CIRANDA - ritmos da cultura de Pernambuco. Disponível em: Acesso em 22 set. 2007.

DINIZ, Padre Jaime. Ciranda. In: Folclore. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, Governo de Pernambuco, 1975. p. 46.

EU sou Lia. Disponível em: Acesso em: 4 out. 2007.

FALCÃO, Aluízio. Lia de Itamaracá: a estrela das cirandas brilha em disco raro. Disponível em: Acesso em: 21 nov. 2007.

GIFFONI, Maria Amália Correia. Danças miúdas do folclore paulista. São Paulo: Nobel, 1972.

LIA de Itamaracá. Disponível em: Acesso em 4 out. 2007.

LIA de Itamaracá. Disponível em:http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=308&textCode=4940&date=currentDate Acesso em 13 nov. 2007.

LIA de Itamaracá. Disponível em: Acesso em: 21 nov. 2007.

LIA de Itamaracá. Disponível em: Acesso em: 21 nov. 2007.

NASCIMENTO, Mariana Cunha Mesquita do. Família Salustiano: três gerações de artistas populares recriando os folguedos da Zona da Mata. Recife: Prêmio Katarina Real de Cultura Popular, 2000.

PELLEGRINI FILHO, Américo. Danças folclóricas. São Paulo: 2º. Encontro com o Folclore; Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Mackenzie, 1999.

RABELLO, Evandro. Ciranda. In: Antologia pernambucana de folclore. Recife: Editora Massangana, 1988. p. 55-61.

VAINSENCHER, Semira Adler; LOSSIO, Rúbia. A dança do coco. Recife: Centro de Estudos Folclóricos Mário Souto Maior, Fundação Joaquim Nabuco, n. 304, ago. 2005. (Série Folclore)

SOUTO MAIOR, Mário; VALENTE, Waldemar (Orgs.). Antologia pernambucana do folclore. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1988.


2 comentários:

  1. A cantora Clara Nunes também homenageou Lia de Itamaracá, cantando a música "Homenagem a Olinda, Recife e Pai Edu", CD gravado pela EMI remasterizado entre junho/julho de 1997 em Londres.

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  2. Eu gostaria de saber quem canta a ciranda que começa mais ou menos assim: Excelentissimo deputado, presidente e senador, juiz e promotor, governador e prefeito, fico muito satisfeito com essa grande nação, nesse mundo de joão de mãe preta e...

    Obrigado!
    Cícero

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