INGLESES EM PERNAMBUCO
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
No começo do século XIX, quando o príncipe regente D. João abriu os portos do País, os ingleses começaram a chegar ao Brasil - em especial, para São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A Inglaterra era possuidora de uma frota poderosa que percorria o mundo, e os ingleses esperavam encontrar aqui uma boa oportunidade para expandir sua indústria e comércio, bem como obter o máximo de lucro.
Naquela época, a cidade do Recife possuía, aproximadamente, 200.000 habitantes, e a colônia inglesa já se apresentava de forma bastante expressiva, com a presença das seguintes firmas, bancos e empresas concessionárias de serviços públicos: a Western Telegraph Company (que possibilitava o contato com o mundo, através do cabo submarino), Pernambuco Tramways and Power Company (que interligava o Recife, com os seus trens, às demais cidades de Pernambuco e do Nordeste), Huascar Purcell, Pernambuco Paper Mills, Western of Brazil Railway Company, Price Waterhouse, Machine Cotton, John A. Thom (negociante de algodão, borracha, açúcar, mamona, cera), Cory & Brothers, Bank of London & South America, London & River Plate Bank, Royal Bank of Canada, Boxwell & Cia. (o maior estabelecimento de enfardamento de algodão), Williams & Cia.(exportadores de açúcar e algodão), Conolly & Cia. (casa de câmbio), Ayres & Son (representante de várias firmas e fabricantes), e White Martins.
Em 1810, entre Portugal e Inglaterra foi celebrado o Tratado de Navegação e Comércio. Seu artigo 12 estabelecia: os vassalos, de Sua Majestade Britânica, que morressem em territórios de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, deviam ser enterrados em lugares designados para este fim. Portanto, no ano seguinte, tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, já haviam sido escolhidos alguns terrenos para servir de cemitério aos súditos britânicos que, por não serem católicos, não podiam ser enterrados em templos católicos ou em pequenos cemitérios a eles anexos, devendo ser enterrados em qualquer outro lugar: nas praias, nas campinas ou em outras áreas descampadas.
No que se refere a Pernambuco, em 1814, o Governador da então Capitania, sob as ordens do Príncipe Regente, tinha mandado demarcar em um lugar chamado, desde o século XVI, de Santo Amaro das Salinas "um terreno de 120 palmos de frente sobre 200 de fundo, desapropriando e doando aquela área ao Cônsul Inglês com a finalidade específica de ali ser construído o Cemitério dos Ingleses. Nas suas proximidades existia o Lazareto de Santo Amaro, onde eram postos em quarentena os escravos recém-chegados da África, o que demonstra o relativo isolamento do lugar então escolhido" (Paraíso, 1997, p. 36). Por iniciativa dos próprios ingleses, entretanto, a área foi ampliada mediante a aquisição de terrenos vizinhos.
O Cemitério dos Ingleses está localizado na avenida Cruz Cabugá, bairro de Santo Amaro, trajeto que liga o Recife a Olinda. Encontra-se fechado a maior parte do tempo. Apresenta um portão de ferro datado de 1852 - obra dos ingleses da Fundição d'Aurora - e possui um administrador particular, não remunerado, que é eleito, em sua maioria, por ingleses e/ou seus descendentes que ali possuem jazigos. Na capela do referido cemitério pode-se encontrar, também, uma exposição de ex-votos.
O cemitério já teve o nome de estrada de Luís Rego, no Sítio das Salinas. Não foi apenas a última morada de ingleses anglicanos, mas também, nos últimos tempos, de holandeses, franceses, suíços, americanos, alemães, não apenas protestantes, e inclusive de brasileiros não-protestantes. Naquele cemitério, permanecem os restos mortais do general Abreu e Lima, que, na época, embora cristão, e não declaradamente protestante, não pôde ser enterrado nos chamados Campos Santos, devido à intransigência do bispo católico Francisco Cardoso Ayres.
A influência inglesa em Pernambuco foi bem marcante. Quando a atual avenida Conde da Boa Vista se chamava apenas de rua Formosa, já existia uma igreja anglicana - a Holly Trinity Church - local onde se encontra, hoje, o Edifício Duarte Coelho e o cinema São Luiz. Os recifenses chamavam-na de Igrejinha dos Ingleses. E, no número 35 do antigo aterro da Boa Vista (a atual rua da Imperatriz), existia o British Hospital, uma casa de quatro andares, com um cais de embarque e desembarque no Capibaribe, que era destinada, em princípio, aos súditos britânicos, e que encerrou as suas atividades no final de 1878. Na própria rua Padre Inglês, no bairro da Boa Vista, hoje chamada de rua do Padre Inglês, costumavam se hospedar os ingleses.
Quando os primeiros clubes de futebol da cidade foram criados, os ingleses estavam presentes. Muitos funcionários da Great Western e da Western Telegraph praticavam esse esporte nos quintais de suas casas. Do entusiasmo desses homens, nasceu o Sport Club do Recife, o primeiro clube de futebol da cidade, fundado em 13 de maio de 1905.
Cabe registrar que, em 1909, houve uma disputa entre os clubes Sport e Náutico (ambos contendo muitos jogadores ingleses), no campo do Pernambuco British Club (não confundir com o The British Country Club, que ainda não existia), clube de origem inglesa, que tinha a sua sede no local onde funciona hoje o Museu do Estado, na Av. Rui Barbosa. Dos campeonatos da época, participavam dois times mantidos pelos ingleses: o Great Western e o Tramways, cujos jogadores eram, em sua maioria, funcionários daquelas empresas. O Tramways, em especial, que muitos chamavam de "Trâmis" chegou a ser destaque no futebol pernambucano, tendo sido campeão estadual em 1936 e 1937.
Em muitos termos usados no futebol brasileiro, como por exemplo, goal, team, goal-keeper, match, referee, foul, center-forward, dribling, corner, off-side, penalty, full-back, palavras que os recifenses deturpavam e diziam quipa, centrefó, dribe, córne, houve uma grande influência dos ingleses. As palavras off-side e penalty, foram incorporados ao futebol, bem como os vocábulos goleiro, escanteio, centroavante e finta. Sem falar em inúmeros outros que foram incorporados à língua portuguesa e que não estão relacionados ao futebol: suéter, bife, vagão, rosbife, blefe e flerte. Há quem diga, até, que a palavra forró surgiu quando a Great Western, para comemorar a inauguração de sua primeira estrada de ferro, promoveu um baile animado por sanfona e zabumba, colocando um cartaz escrito for all (para todos).
A influência inglesa se fez sentir, ainda, em certos hábitos: o uso do tecido tropical inglês, do linho diagonal branco - o Taylor & 120 - que não feria a pele do pescoço, da casimira, a gravatinha borboleta, os sapatos com polainas, os chapéus de palha, as bengalas, entre outros. No Recife, eram várias as casas comerciais que sugeriam, em seus nomes, a procedência inglesa - fossem ou não de propriedade de ingleses -, visando dar às mesmas maior credibilidade e idéia de solidez. Entre elas, podem ser mencionadas as seguintes: Botica Inglesa, Sapataria Inglesa, Casa Black, Botina Inglesa e Alfaiataria Londres.
Em 1919, já existiam no Recife pelo menos três clubes de origem inglesa: o Pernambuco Cricket Club, o Lawn Tennis Club e o Pernambuco British Club. Em 1920, foi a vez de ser fundado o The British Country Club, no bairro dos Aflitos, que pertencia ao Clube Náutico. O clube foi criado com a finalidade de promover jogos atléticos e reuniões sociais e, em seus estatutos, ficou estabelecido que os sócios de nacionalidade diferentes da britânica não teriam direito a votar nas assembléias gerais nem tomar parte alguma nos negócios internos do Club.
Em 1928, George Litlle, funcionário graduado da Great Western, e alguns de seus amigos criaram um clube de golf, denominado Pernambuco Golf Club, que deu origem ao atual Caxangá Golf & Country Club. O Town British Club, na rua Bom Jesus, em cima do London Bank, foi fundado também pelos ingleses. Mudou-se, posteriormente, para a avenida Rio Branco, tendo fechado suas portas no final da década de 1980.
O último bonde inglês a circular no Recife, fazia o trajeto Boa Vista - Madalena, e funcionou até março de 1954. O bonde de número 104, contudo, conseguiu ser preservado: permanece exposto na frente do Museu do Homem do Nordeste, na Fundação Joaquim Nabuco.
Fontes consultadas:
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, INL, 1977.
MELLO, José Antonio Gonçalves de. Ingleses em Pernambuco: história do cemitério britânico do Recife e da participação de ingleses e outros estrangeiros na vida e na cultura de Pernambuco, no período de 1813 a 1909. Recife: Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1972.
PARAÍSO, Rostand. Esses ingleses... Recife: Bagaço, 1997.
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