Quando os espanhóis chegaram ao continente americano, os astecas e os maias já cultivavam o cacau, tanto para servir-lhes como fonte de alimentação, quanto para embelezar os jardins de suas cidades. A história do cacau é impregnada de lendas e mitologias. Diz-se, no México, por exemplo, que o Deus dos astecas, o Senhor da Lua Prateada e dos Ventos Gelados, deu aos homens algo que furtara dos Deuses.
Desejando presentear os mortais, Ele foi aos campos do Reino dos Filhos do Sol e roubou sementes da Árvore Sagrada. Elas frutificaram e geraram o cacaueiro, que, por estar relacionado à religiosidade, era cultivado apenas pelos sacerdotes. Para os astecas, portanto, a árvore do cacau - chamada cacahualt - era sagrada, e seu cultivo se fazia acompanhar de cerimônias religiosas solenes.
Quando conquistou o México, o navegador Fernando Cortez escreveu ao rei da Espanha, Carlos V, que Montezuma não bebia, duas vezes, na mesma taça de puro ouro, porque acreditava que o líquido advindo das favas do cacau (de gosto amargo, escuro, e poder nutritivo excepcional) possuía origem divina. O imperador asteca bebia uma mistura de cacau com vinho ou purê de milho fermentado, especiarias, pimentão e pimenta, que o alimentava durante um dia inteiro, sem que houvesse necessidade de ingerir qualquer outro alimento. Às vezes, a mistura era preparada com cacau, pimenta malagueta, milho e cogumelos alucinógenos, tudo isto pulverizado e aromatizado com noz-moscada, cravo, canela e baunilha.
De tão valorizadas, as sementes de cacau eram utilizadas pelos indígenas como moeda corrente. Montezuma costumava receber, por ano, 200 xiquipils (ou 1,6 milhão de sementes), como tributo da cidade de Tabasco, que correspondiam a trinta sacas, cada uma delas pesando sessenta quilos. Um bom escravo, por outro lado, podia ser trocado por cem sementes de cacau.
Na literatura botânica, a planta foi classificada, inicialmente, como Cacao fructus. Entretanto, as crenças religiosas dos povos antigos podem ter influenciado o botânico sueco Carolus Linnaeus (1707-1778) a trocar a classificação para Theobroma cação que, na língua grega, significa “manjar dos Deuses”. A nova classificação é válida até o presente. Após elaborar três dissertações sobre o cacau, o naturalista concluiu que, além do sabor agradável, a bebida feita com ela tinha propriedades medicinais, superiores às do café e dos chás.
O cacaueiro é uma árvore de altura média (possui de cinco a dez metros), muito ramificada, pertencente à família das Esterculiáceas, que se desenvolve bem em solos quentes e úmidos, isentos de secas prolongadas. O fruto pode medir, até, 20 cm de comprimento, contendo várias filas de sementes (com mais de 2 cm de comprimento). As sementes são envoltas por uma polpa branca ou rósea (mucilagem) ácida e aquosa.
No Brasil, oficialmente, começou-se a cultivar o cacau em 1679, através de Carta Régia que autorizava os colonizadores a plantá-lo em suas terras. No ano de 1746, algumas sementes foram plantadas às margens do rio Pardo, em Canavieiras, na Bahia. Como as condições climáticas, a topografia e o solo do sul da Bahia atendiam plenamente às suas exigências, os cacaueiros se multiplicaram. E, ainda hoje, a grande maioria dos cacauais encontra-se no Nordeste do Brasil, em particular, no litoral baiano, ao sul de Salvador.
Na Região Norte do país, as tentativas para expandir o cultivo do cacau fracassaram. Os colonizadores portugueses descobriram o cacau silvestre, nas margens dos afluentes do rio Amazonas, e levaram as sementes para a Europa, junto com outros produtos indígenas, tais como a mandioca, a pimenta e o algodão.
Um dos documentos mais antigos sobre a presença do cacau na Bahia é uma monografia de 1789, de autoria de Manoel Ferreira da Câmara, intitulada Ensaio de descrição física e econômica da Comarca dos Ilhéus da América. Este trabalho recebeu um premio da Academia Real de Ciências de Lisboa.
Entre os religiosos, o consumo do cacau provocava polêmicas, devido às suas supostas propriedades afrodisíacas. Tratando-se de um privilégio usufruído pelos sacerdotes, o chocolate saiu da cozinha dos conventos em 1615. Isto ocorreu por ocasião do casamento de Luís XIII, da França, com a infanta Ana, da Áustria, de quatorze anos. Durante a recepção, os padres presentearam porções de cacau aos noivos. Apesar do gosto amargo, a Corte francesa aprovou, de imediato, a iguaria. A partir daí, em Paris, um dos convites mais requisitados era o de estar presente “para o chocolate de Sua Alteza Real”.
O alimento tornou-se bem mais difundido quando se descobriu que, combinado com mel e especiarias, ele se tornava muito mais saboroso. Sua industrialização, porém, só ocorreu em 1778.
O cacau é um fruto exigente que demanda solos quentes e úmidos, com chuvas abundantes, em áreas cobertas de matas e florestas. Estas são fatores naturais de regeneração, ao produzirem o mulch, uma camada constituída por restos vegetais que caem de suas copas, e se transformam em excelente adubo e proteção do solo contra a erosão.
A preparação das favas (sementes) começa pela quebra dos frutos junto aos cacaueiros. O fruto é aberto e as sementes separadas da mucilagem. Em seguida, elas são transportadas para as sedes das fazendas, em grandes caixas, sobre o lombo de burros, e colocadas em cochos para fermentar durante cerca de uma semana, a uma temperatura que pode atingir 40 graus centígrados.
Depois da fermentação, vem a fase da secagem. O cacau ainda contém muita água, que precisa ser removida. Isto pode ocorrer mediante dois processos distintos. No primeiro, usam-se estufas ou secadores aquecidos a fogo de lenha; e, no segundo, utilizam-se “barcaças”, grandes áreas com piso de madeira sobre pilares, e cobertas por um telhado móvel. O telhado é removido de dia, e recolocado sobre as “barcaças” à noite e quando chove. As sementes necessitam ser mexidas, regularmente, para ficar bem arejadas e não haver formação de bolor. Finda a secagem das amêndoas, estas são pisoteadas para a separação da “sibira”, uma película que as envolve.
A secagem natural, ao sol, propicia um cacau de boa qualidade; ao passo que a secagem artificial - através do calor do fogo de lenha - é desaconselhável, porque deixa a amêndoa com cheiro de fumaça, e isto interfere no sabor do futuro chocolate. Após a secagem, as amêndoas são ensacadas e levadas às fábricas processadoras de cacau.
Em 1828, um químico holandês inventou uma prensa que separava e retirava a manteiga de cacau da amêndoa. O uso desse artefato fez com que o amargor e a acidez do chocolate diminuíssem. Perto do final do século XIX, um doceiro suíço levou seu produto até Henry Nestlé. Este último era um fabricante de leite evaporado, que tinha aprimorado, também, uma receita de leite condensado. Juntos, os dois tiveram a feliz idéia de adicionar leite condensado ao chocolate, surgindo, assim, o chocolate ao leite. Aquele doceiro foi responsável pela criação do processo de conchagem, que conferiu ao chocolate uma textura mais fina e aveludada. O processo recebeu esse nome porque as pás, que mexem e refinam o produto, possuem o formato de conchas.
No ano de 1879, Rodolphe Lindt adicionou manteiga de cacau ao chocolate, gerando um produto mais elaborado, que derretia na boca e era similar ao chocolate consumido hoje. Vale salientar que a fabricação de chocolate passa por cinco etapas importantes: malaxação, refino, conching, tempera e modelagem. Tais etapas são extremamente delicadas e, não raro, quando ocorre um descuido, um lote todo é perdido.
Da polpa branca ou rosa, doce e mucilaginosa do cacau são produzidos sucos, geléias, refrigerantes, destilados finos, fermentados (vinho e vinagre), sorvetes e doces. O suco possui um sabor exótico e agradável ao paladar, assemelhando-se aos sucos de algumas frutas tropicais, como a graviola, o bacuri e o cupuaçu, ele é rico em vitaminas, pectina e açúcares (glicose, frutose e sacarose), e possui aspecto pastoso e alta viscosidade.
Os técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), do Ministério da Agricultura, têm realizado pesquisas que visam ao aproveitamento integral dos subprodutos e resíduos da pós-colheita. Neste sentido, após passar por determinada transformação, a casca dos frutos é aproveitada para ração animal, tanto in natura, quanto em forma de farinha. A casca ainda é utilizada para a produção de biogás e biofertilizantes, elaborados mediante o processo de compostagem ou de vermicompostagem. Uma tonelada de amêndoas gera oito toneladas de casca fresca.
O maior problema fitopatológico dos cacaueiros, o fungo denominado vassoura-de-bruxa, é originário da Amazônia, e só foi descoberto na Bahia em 1989. Ele causa a necrose no cacaueiro, deixando a planta com a aparência de uma vassoura velha, daí a origem do seu nome. Esse fungo reduziu drasticamente a produção de cacau do país, que baixou de 320,5 mil toneladas, em 1991, para 191,1 mil toneladas, no ano 2000, o que acarretou grandes impactos econômicos e sociais na região.
No passado, o Brasil chegou a ser o maior exportador de cacau. No presente, porém, apesar de não estar mais no topo, o país ainda se encontra entre os grandes produtores, ao lado da Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e Equador. Por outro lado, os maiores importadores de cacau são os Estados Unidos, a Holanda, a França, a Inglaterra e a Alemanha.
O auge da cultura cacaueira ocorreu no final do século XIX e início do século XX. Durante a I Guerra Mundial, os soldados já carregavam chocolates como ração de emergência, para necessidades futuras. No entanto, eles não conseguiam guardá-los por muito tempo: devoravam as guloseimas ao menor sinal de fome.
Jorge Amado, famoso escritor baiano, registrou a dura vida em torno do cultivo do cacau, na trilogia O País do Carnaval (1931), Cacau (1933), e Suor (1934), livros que foram traduzidos para várias línguas estrangeiras.
No século XXI, os derivados do cacau fazem parte da vida das pessoas, sendo empregados em pudins, bolos, doces, caldas e aperitivos. Já se fabrica chocolate ao leite (massa de cacau, manteiga de cacau, açúcar e leite em pó); chocolate amargo (pouco refinado, paladar amargo, composto por massa de cacau e manteiga de cacau); chocolate branco (manteiga de cacau, açúcar e leite); chocolate em pó (amêndoa de cacau ralada); além de chocolates recheados e/ou associados com frutas diversas (manga, cereja, cupuaçu, uva, morango, goiaba, framboesa), com especiarias (canela, baunilha, cravo, noz moscada, anis, menta, pimenta, alecrim), com doce de leite, caramelo, chás, avelãs, vinhos, cointreau, rum, capuccino, nozes, café, castanha de caju, castanha do Pará e pistache. São produzidas, também, de maneira industrial ou artesanal, trufas brancas, amargas, meio amargas, de mel e de Champagne, de queijo, de café, entre outros.
Camisetas, esculturas de barro e argila, bolsas, tapeçarias, peças de crochês e bonecos, que fazem alusão à cultura cacaueira, bem como o licor de cacau, fazem parte do folclore do Nordeste brasileiro. Os ovos de chocolate caseiros e/ou industrializados são muito populares, inclusive, nas comemorações da Páscoa.
Por fim, é preciso ressaltar que o chocolate, o “manjar dos Deuses” dos astecas, a delícia que extasiou nobreza e clero europeus durante séculos, tem que ser consumido com parcimônia: ele possui bastante gordura e é altamente calórico. A despeito de produzir uma sensação de calma e bem estar, e de aumentar a disposição física e mental, aquela guloseima deliciosa, infelizmente, engorda.
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