DENDÊ
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
O dendezeiro (Elaeis guineensis) é uma palmeira de origem africana que se desenvolve bem em regiões tropicais, com clima quente e úmido. Os egípcios, há mais de 5.000 anos, já consumiam o óleo daquela planta. Desde o século XV, o dendezeiro consta dos relatos dos primeiros visitantes europeus à África, como parte integrante da paisagem, dos hábitos e da cultura popular. Lá essa planta recebeu uma série de denominações, tais como abobobe, kisside, ade-quoi, dendem, ou andim. No continente americano, o dendezeiro foi introduzido com o comércio de escravos, chegando ao Brasil no século XVII.
Em se tratando do mercado mundial, a Malásia representa o maior produtor de óleo de dendê, com cerca de 2,5 milhões de hectares de área cultivada, movimentando US$ 9 bilhões/ano e gerando, na zona rural, mais de 250.000 empregos diretos.
O fruto do dendê produz dois tipos de óleo que são obtidos através de processos físicos, pressão e calor: 1) o óleo de dendê ou de palma (conhecido como palm oil, no mercado internacional), extraído do mesocarpo, a parte externa do fruto; e 2) o óleo de palmiste (ou palm kernel oil), extraído da semente do fruto, e que é similar aos óleos de coco e babaçu. Cada hectare de plantio de dendê produz, anualmente, de 0,4 a 0,6 toneladas desse óleo.
O azeite de dendê - devido à sua consistência e por não rancificar - é apropriado para a fabricação de margarinas, gorduras vegetais, pães, bolos, tortas, sorvetes, barras de chocolate, biscoitos finos e cremes, assim como óleos de cozinha. Cerca de 80% da produção mundial desse azeite é destinada a alguma aplicação alimentícia. Os restantes 20%, representados pelo óleo de palmiste, são usados como matéria prima na indústria de cosméticos, na fabricação de sabonetes, sabão em pó, detergentes e amaciantes de roupas biodegradáveis, lubrificantes, cosméticos, velas, produtos sanitários e farmacêuticos, assim como biocombustíveis (chamado dendiesel) para motores à diesel.
Presentemente, o azeite de dendê é o segundo óleo mais produzido e consumido no país, representando 18,49% do consumo mundial. Se o plantio do dendezeiro for corretamente conduzido, a produção de óleo ocorre no final do terceiro ano, com uma colheita de seis a oito toneladas de cachos, por hectare. A palmeira atinge seu pique máximo no oitavo ano, quando chega a produzir vinte e cinco toneladas de cacho por hectare, permanecendo nesse nível até o 17º ano, e declinando, um pouco, até o final de sua vida útil produtiva, que tem lugar por volta de 25 anos.
Segundo Câmara Cascudo (1954), o primeiro registro encontrado sobre o dendezeiro refere-se às informações do português Duarte Lopez, na obra Relação do Reino de Congo e das terras circunvizinhas (Roma, 1591). Nela, pode-se ler: o azeite faz-se da polpa do fruto... e usam-no como o azeite e a manteiga; e arde, e com ele se untam os corpos; e é boníssimo na comida. Quem tinha a tradição do azeite era o português recebida do mouro, valorizador da azeitona, plantador de olivais. Quando o português enfrentou África levava quinhentos anos, mínimos, de óleo de oliva nos usos e costumes.
Nos candomblés da Bahia, de acordo com aquele folclorista, o dendê representa o fetiche do Orixá Ifá para desvendar o futuro. Indispensável na culinária afro-brasileira, o azeite de dendê era um ornamento muito disputado pelo intercâmbio comercial. O enfeite, por sua vez, com ou sem função mágica, foi o mais longínquo objeto negociável no Paleolítico.
Câmara Cascudo ressalta, ainda, um texto de Hildegardes Viana (A cozinha bahiana, Bahia, 1955): O azeite fino e limpo é chamado de flor e o que fica na borra bamba. A palha posta a secar ao sol fornece o oguxó (bagaço para fazer fogo). Da amêndoa do coco dendê extrai-se o xoxô utilizado pelos pretos como amaciador de cabelos e lustrador de peles fouveiras (canelas fubentas).
A produção de óleo de dendê deve ser iniciada logo após sua colheita, constando das seguintes etapas: 1. esterilização - utilizada para inativar as enzimas que provocam acidez no azeite, e facilitar o desprendimento dos frutos dos cachos; 2. debulha - destinada a separar os frutos do cacho; 3. digestão - nesta etapa, a estrutura das células da polpa é quebrada para facilitar a prensagem e a liberação do óleo; 4. prensagem - a massa saída do digestor é submetida à prensagem para separar o óleo da mistura composta por fibras e sementes. O óleo extraído da polpa do fruto é denominado óleo de palma bruto. Aquela mistura passa por um desfibrador e as fibras e sementes são separadas por meio de ventilação. As fibras são utilizadas nas caldeiras, como combustíveis, e as sementes são transportadas para os secadores. Após a secagem, elas vão para os quebradores de coco, que separam as cascas das sementes e encaminham estas últimas para a prensa. Através da prensagem das amêndoas é extraído o óleo de palmiste.
O fruto do dendezeiro é tão rico que o resíduo restante da última prensagem contém de 14% a 18% de proteína, sendo utilizado, inclusive, como um dos componentes na fabricação de ração animal. O azeite de dendê possui uma coloração amarelo avermelhada e sabor adocicado, apresenta alguns elementos antioxidantes e um elevado teor de carotenóides (importante fonte de vitamina A), estando o seu uso associado a substâncias anticancerígenas. No Brasil, os dendezeiros ocupam cerca de 40 mil hectares e, grande parte deles está localizada na Região Amazônica.
No presente, a cultura do dendê representa uma das atividades agro-industriais mais relevantes das regiões tropicais úmidas. Ao mesmo tempo, é considerada uma cultura que possui um forte apelo ecológico: apresenta baixos níveis de agressão ambiental, adapta-se bem aos solos pobres, protege o solo da lixiviação e da erosão, e "imita" a floresta tropical. Tal cultura possui grande potencial para absorver o gás carbônico, perdendo somente para o eucalipto. Além do mais, auxilia na restauração do balanço hídrico e climatológico, contribui de forma expressiva para a reciclagem e liberação de O2, e combate a elevação excessiva das temperaturas médias da Terra.
O popular azeite de dendê é um dos ingredientes principais da cozinha afro-brasileira. Na Bahia, a população consome vários pratos deliciosos feitos com esse azeite: 1. acarajé (bolinhos de feijão fradinho, pisados no pilão e fritos em azeite de dendê); 2. caruru (comida feita com quiabo picado, camarão, frango e azeite de dendê); omalá (prato preferido de Orixá Xangô, semelhante ao caruru, elaborado com quiabo e azeite de dendê e servido com pirão de arroz); bobó (prato principal dos Voduns à base de aipim, azeite de dendê e camarões); ipetê (prato predileto de Oxum elaborado com inhame cozido, azeite de dendê e camarões secos); omolocum (iguaria preparada em homenagem a Oxum, à base de feijão fradinho, azeite de dendê, camarões e ovos). Além desses, são preparados, também, vatapás, muquecas, era-peterê, farofas, entre outros pratos. Algumas comidas de santo (iguarias especiais do cardápio votivo dos Deuses africanos) são preparadas pelas filhas-de-santo, dentro do rigor dos cultos, e sempre contêm azeite de dendê. Este azeite ainda é empregado nas liturgias dos Orixás, Voduns, Inquices e Encantados.
Do dendezeiro tudo se aproveita. Os talos são utilizados no artesanato e nas práticas dos cultos, através da confecção dos xaxarás (insígnias de Omolu que as filhas-de-santo seguram nas mãos enquanto dançam nos candomblés) e ibiris; e suas palhas são desfiadas e usadas para fazer mariôs, utensílios colocados em portas e janelas de santuários, e nos salões de dança dos terreiros, como uma proteção contra os malefícios. O azeite de dendê está em situação de destaque no mercado mundial de óleos, e sua produção ocupa atualmente o 2º lugar, atrás apenas do óleo de soja.
Fontes consultadas:
ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil folclore: histórias, costumes e lendas. São Paulo: Editora Três, 1982.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1954.
CULTURAS tropicais: dendê. Disponível em:
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DENDÊ. Potencial para produção de energia renovável. Disponível em:
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DRESEN, Bernd; VELOSO, José Soares. Devastação dos babaçuais piauienses – causas e efeitos. Carta CEPRO, Teresina, v. 2, n. 1, p. 7-14, jan./jul. 1987.
HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.
LODY, Raul G. da Motta. O dendê e a comida afro-brasileira. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Centro de Estudos Folclóricos, n. 43, 1977. (Série Folclore)
ÓLEO de dendê poderá ser produzido sem ameaçar florestas. Disponível em: Acesso em: 3 set. 2007.
ÓLEO de dendê. Disponível em:
VAINSENCHER, Semira Adler. Filha-de-santo. Recife: Fundaj, Dipes, Centro de Estudos Folclóricos Mário Souto Maior, 2007. (Série Folclore, n. 330)
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