domingo, 17 de maio de 2009

CULINÁRIA JUNINA

CULINÁRIA JUNINA

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Junho é o mês de três importantes santos católicos, que foram introduzidos no Brasil pelos colonizadores portugueses: São Pedro, Santo Antônio e São João. O primeiro deles, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo, é tido como o guardião das portas do céu, além de protetor das viúvas e dos pescadores. A ele foi dedicado o dia 29 de junho. Santo Antônio, por sua vez, comemorado no dia 13 de junho, é o santo casamenteiro, sendo invocado pelas pessoas solteiras que desejam encontrar um parceiro. E, por fim, São João, primo de Jesus Cristo, cujo nascimento ocorreu no dia 24 de junho. Dos três, esse último é o santo festeiro e o mais comemorado. Originalmente, a festa de São João, muito popular na Península Ibérica, era chamada de Joanina, mas, com o tempo, passou a ser conhecida como Junina.

Em se tratando de festas que utilizam o fogo, faz-se necessário lembrar que essa tradição advém de remotas comemorações pagãs, nos primórdios da era cristã, quando cultos e sacrifícios eram empreendidos para enfrentar e afastar demônios e bruxas responsáveis por pestes, estiagens, esterilidade. Os portugueses, neste sentido, incorporaram o fogo ao seu calendário, acreditando que ele poderia atuar como elemento importante na luta entre as forças do bem e do mal.

Há controvérsias, no entanto, sobre a origem da festa de São João. Cabe esclarecer que o dia 23 de junho, segundo os rituais do calendário agrário da Antigüidade, representa a data comemorativa das colheitas de cereais, bem como a passagem do solstício de verão ou de inverno, conforme o hemisfério.

Há quem considere o mês de junho, o quarto no calendário de Rômulo, como o período do ano dedicado à deusa Juno, a cultuada filha de Saturno e mulher de Júpiter, que teve muitos filhos. As festas juninas, portanto, se originavam da devoção dos povos pagãos àquela divindade, onde as fertilidades da deusa e da terra eram reverenciadas. E, para espantar a seca e as pestes da lavoura, tantos sacrifícios em seu nome foram empreendidos.

Alguns pesquisadores, por outro lado, situam os primórdios da festa junina na Ásia e África, 3.500 a.C., salientando que, no Egito antigo, a morte e a ressurreição do deus Osíris estavam relacionadas às cheias do rio Nilo e isto era bastante comemorado. O retorno das águas, ao leito usual, deixava uma faixa de terra úmida e fértil para a semeadura possibilitando, desse modo, a presença de excelentes colheitas.

De acordo com Câmara Cascudo (1954), independentemente das teorias sobre a sua origem, o São João é festejado com alegrias transbordantes de um deus amável e dionisíaco com farta alimentação, músicas, danças, bebidas e uma marcada tendência sexual nas comemorações populares, adivinhações para casamento, banhos coletivos pela madrugada, prognósticos do futuro, anúncio de morte do censo do ano próximo... Segundo a tradição o Santo adormece durante o dia que lhe é dedicado tão ruidosamente pelo povo, através dos séculos e países. Se ele estiver acordado, vendo o clarão das fogueiras acesas em sua honra, não resistirá ao desejo de descer do céu para acompanhar a oblação e o mundo acabará pegando fogo.

No Nordeste do Brasil, em particular, é uma das festas mais comemoradas. Dentre os seus aspectos fundamentais, encontram-se as quadrilhas e o forró, as fogueiras, os balões, as procissões e novenas, e a maravilhosa culinária junina. Nesta, os portugueses introduziram o sal, o açúcar, a canela em pó, o cravo da Índia, o coco, o milho. Os índios, por sua vez, trouxeram a mandioca. Como parte fundamental da cultura brasileira, a culinária também foi reelaborada e recriada pela miscigenação de gostos e experiências de vida das principais etnias que formaram a população brasileira: a indígena, a africana e a européia.

No que se refere à rica culinária junina, os seus pratos típicos são os seguintes: milho cozido ou assado (na brasa), canjica, pamonha, pé-de-moleque, cocadas, bolos de milho, macaxeira (também chamada de aipim) e mandioca. A seguir, transcrevem-se algumas receitas básicas de São João.

MILHO COZIDO

Tirar a palha e os cabelos dos milhos e passar as espigas em um ralo, ligeiramente, só para rasgar um pouco a pele que cobre os grãos. Colocar as espigas para cozinhar, em um grande caldeirão (ou panela de pressão) com água suficiente para cobri-las e sal (a gosto). Cozinhar tudo até os grãos amolecerem. Testar com um garfo, antes de desligar o fogo.

CANJICA

Ingredientes:
25 espigas de milhos verdes; 1 ½ xícara (de chá) de água; 3 cocos ralados; 2 xícaras (de chá) de açúcar; canela em pó (para polvilhar); sal a gosto.

Modo de fazer:

Com uma faca afiada, corte os grãos de milho rente ao sabugo. Coloque-os no liquidificador, junte a água, aos poucos, e triture até que a mistura se torne um purê. Peneire, em seguida, para retirar as cascas dos grãos. Em seguida, retire do coco o leite grosso e reserve. Esprema novamente o coco para obter um leite mais ralo. Em uma panela grande, misture a massa de milho com a metade do leite ralo, leve ao fogo, mexendo sempre devagar, até a mistura ficar espessa. Tempere com sal, acrescente o açúcar e misture bem. Retire do fogo. Coloque a canjica em pratos ou travessas e polvilhe com a canela em pó.

PE-DE-MOLEQUE

Ingredientes:
1 kg de massa de mandioca, 4 xícaras (de chá) de açúcar, ½ litro de água, 250 g de manteiga, 2 ovos inteiros, ½ litro de leite de coco, 200 gramas de castanha torrada, 1 colher (de chá) de cravo da Índia, 1 colher (de chá) de erva-doce.

Modo de fazer:

Lavar, deixar assentar e espremer a mandioca. Reservá-la e colocar em uma bacia grande. Amassar bem, até virar pó, a castanha, o cravo e a erva-doce. Juntar à mandioca. Levar ao fogo, para fazer um mel, a água, o açúcar e a manteiga. Despejar o mel, bem quente, sobre a mandioca e os temperos polvilhados e misturar bem com uma colher de pau. Adicionar os 2 ovos inteiros e o leite de coco. Bater bem a massa. Colocar em uma forma untada e enfarinhada e levar ao forno quente. Retirar da forma depois de frio.

BOLO DE MACAXEIRA

Ingredientes:
2 kg de macaxeira, 1 coco ralado, 500 g de açúcar, 1 colher (de sopa) de manteiga, cravo da Índia, pitada de sal, leite de vaca (o suficiente para cobrir o bolo).

Modo de fazer:

Descascar, lavar e ralar a macaxeira e misturar ao coco ralado. Fazer uma calda com o açúcar e os cravos. Retirar os cravos e despejar sobre a macaxeira. Acrescentar a manteiga, o sal, e misturar bem tudo. Untar e enfarinhar uma forma. Despejar a massa do bolo e cobrir com o leite de vaca. Levar ao forno quente e retirar da forma depois de frio.

PAMONHA

Ingredientes:
20 espigas de milho verde, 3 xícaras (de chá) de leite de vaca ou de coco, 3 colheres (de sopa) de creme de leite, açúcar e sal a gosto.

Modo de fazer:

Cortar os grãos dos milhos com uma faca afiada e passá-los no liquidificador ou máquina de moer. Depois, peneirá-los em uma peneira grossa. Misturar todos os ingredientes da receita. Embrulhar e amarrar o líquido grosso na própria palha do milho e, em um caldeirão com água fervendo, cozinhar as pamonhas, por cerca de 30 minutos, até que endureçam.


Fontes consultadas:

BOSISIO, Arthur (Coord.) et al. Culinária nordestina: encontro de mar e sertão. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 2001.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.

CARPEGGIANI, Schneider. Acorda, São João! Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Suplemento Cultural, Recife, ano XV, jun. 2001. p. 3-4.

GUSMÃO, Flávia. Oi, pisa o milho...Penerô xerém! Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Suplemento Cultural, Recife, ano XV, jun. 2001. p. 12-13.

LÓSSIO, Rúbia. Ciclo junino. Disponível em: Acesso em: 23 mar. 2003.

MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brazil. Rio de Janeiro: Livreiro; Paris: H. Garnier, [19--?].

RECEITAS para São João. 4. ed. Salvador: Federação das Indústrias do Estado da Bahia, SESI, FIEB, Artesanato, [19--?].

SOUTO MAIOR, Mário. Comes e bebes do Nordeste. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1984.

VALENTE, Waldemar. Folclore brasileiro: Pernambuco. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1979

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