segunda-feira, 18 de maio de 2009

CIRIRI

CIRIRI

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco



A música popular nordestina deriva de processos técnicos muito simples e, em geral, não está vinculada a qualquer espécie de teorização. Seu nascimento, difusão e duração estão ligados, intrinsecamente, às atividades e interesses da população e, caso possua aceitação social, a música vai se propagando com o passar do tempo. Ela representa, em verdade, os sentimentos, os desejos, os medos, os preconceitos e a bagagem cultural das pessoas.

De acordo com estudiosos do assunto, a música popular provém de criação anônima, mas é usada de forma coletiva. Em outras palavras, os autores não são conhecidos e, portanto, ninguém pode exigir o pagamento de direitos autorais ao cantá-las e/ou difundi-las. Ela é transmitida de geração em geração por meios práticos - normalmente, por via oral - e, é a memória, seu principal canal de difusão e conservação

O ciriri - uma música ligeira de autoria desconhecida - é também uma dança de roda infantil no Nordeste. O termo deriva do vocábulo Ociriri, que pertence ao dialeto tupi e significa foge, corre. A música é composta do refrão abaixo:

Ô ciriri, ô meu bem, ô cirirá,
roubaro (roubaram) o meu amor
e me deixaro (deixaram) sem amar,
eu agora arranjei outro
e quero vê (ver) você tomar

Após se cantar o refrão, canta-se uma trova, com a mesma melodia do refrão. Retorna-se depois ao refrão, a seguir canta-se uma trova diferente e continua-se, dessa maneira, até o cansaço vencer a brincadeira.

Cabe esclarecer que a trova - uma composição lírica – origina-se da quadra popular dos colonizadores lusos, e representa o único gênero literário exclusivo da língua portuguesa. Ela pode ser definida como um pequeno poema de quatro versos, com rima e sentido completo.

As trovas mais populares do ciriri são as seguintes:

Minha mãe chama-se Caca,
Minha avó Caca Maria,
Em casa, tudo era caco,
sou filho da cacaria.

Da tua casa pra minha
corre um riacho no meio,
tu de lá dá um suspiro,
e eu de cá suspiro e meio.

A folha da bananeira
de tão verde amarelou,
a boquinha de meu bem
de tão doce açucarou.

As estrelas no céu correm
correm tudo em carreirinha,
mesmo assim corre um beijinho
da tua boca pra minha.

Minha mãe me chamou feia
me chamou mal-amanhada,
eu então chamei a ela
velha da cara engelhada.

Açucena dentro d’água
a durar quarenta dias,
um amor longe do outro
chora de noite e de dia.

Cajueiro pequenino
carregado de fulô (flor)
eu também sou pequenina
carregadinha de amor.

Lá detrás da minha casa
tem um pé de papaconha,
quem quiser tirar um galho,
é descarado e sem-vergonha.

Sete e sete são catorze
com mais sete, vinte e um,
tenho sete namorados
e não me caso com nenhum.

As flores também se mudam
do jardim para o deserto,
de longe também se ama
quem não pode amar de perto.

Quem me dera dera dera,
Quem me dera dera só,
me deitar em tua cama,
me cobrir com teu lençó (lençol).

Menina dos olhos verdes,
sobrancelhas de veludo,
o teu pai não tem dinheiro,
mas teus olhos valem tudo.

Menina se quer ir vamos,
não te ponhas a maginar (imaginar),
quem magina (imagina) cria medo
quem tem medo não vai lá.

Por debaixo d’água passa,
duas tesouras de ouro,
uma pra cortar ciúme
e outra pra cortar namoro.

Caco caco caco caco,
caco de torrar café,
tu inda (ainda) fala comigo,
cara de porco baé.

Sete e sete são catorze,
com mais sete, vinte e um,
teu pai é ladrão de bode
tua mãe de jerimum.

Lá detrás da minha casa,
tem um pé de mororó,
quem quiser “mangar” de mim,
vá “mangar” de sua avó.

Um sabonete cruzado,
na mala quem tem sou eu,
aproveite, desgraçado,
um amor que já foi teu.

Se tiver raiva de mim,
E não puder se vingar,
meta o dente na parede
coma terra até inchar.

Bananeira bota cacho,
e também bota um galhinho,
um rapaz pra ser bonito
tem que usar um bigodinho.

Nunca vi carrapateira,
botar cacho atravessado,
nunca vi quem é solteiro
namorar quem é casado.

A laranja de madura,
caiu n’água e foi ao fundo,
triste de quem é solteiro
e casa c’um (com um) vagabundo.

Lá vem a lua saindo,
por detrás do leque-leque,
filho de branco é menino,
filho de preto é moleque.

Lá detrás da minha casa,
passa boi passa boiada,
e também passa amarelo,
Do bucho de panelada.

Cajueiro abaixa o galho,
deixa o meu gado passar,
ele vem de lá de longe,
do sertão do Ceará.

Tô (estou) chorando, tô chorando,
tô chorando por você,
se você não acredita,
vou chorar pra você ver.

Minha mãe me chamou feia,
de bonita que ela é,
ela é o pé da rosa
e eu sou a rosa do pé.

Lá vem o carro apitando,
cheio de cana crioula,
esses rapazim (rapazinhos) de hoje,
vestem calça sem ceroula.

Meu amor não era esse,
nem a esse quero bem,
tô (estou) enganando esse besta
enquanto meu querido vem.

Minha mãe me deu uma surra,
com molambo de rudía (rodilha),
eu achava tanta graça,
Quando o molambo assubia (subia).

A alma de muita gente
é como um rio profundo:
tanta beleza por cima,
mas quanto lodo no fundo.

Minha mãe tá (está) me chamando,
diga a ela que eu já vou,
tô (estou) tirando a gravatinha,
de um moreno que chegou.

Eu queria ver agora,
quem vi ontem ao meio dia,
se eu não visse a pessoa,
o retrato me asservia (servia).

A lua já vem saindo,
redonda que nem vintém,
não é lua, nem é nada,
são os óio (olhos) do meu bem.

Meu amor tá (está) mal comigo,
eu não sei por qual razão,
se for falta de carinho,
eu lhe dou meu coração.

Esta vai por despedida,
por despedida esta vai,
minha mãe ficou sem dente
de tanto morder meu pai.

O ciriri necessita da produção de trovas, a mais popular das formas poéticas, para poder existir. E, mesmo sem intenção, os trovadores, ao ria-las, expressam suas filosofias de vida, preconceitos, dúvidas, certezas, alegria e bom humor, ressaltando os valores que estão incrustados na cultura popular nordestina.


Fontes consultadas:

ALVARENGA, Oneyda. Danças, recreação, música. In: MAYNARD, Alceu Araújo. Folclore Nacional. São Paulo: Melhoramentos, 1967. v. 2.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1954.

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